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terça-feira, 21 de outubro de 2008

"VOCÊ ACREDITA EM DEUS?"

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Este texto foi escrito pelo Filósofo PAULO GHIRALDELLI JR. Sou assinante do portal de Filosofia dirigido por ele e recebo por e-mail as suas sugestões para reflexão e também as suas análises sobre assuntos variados a partir da visão filosófica dele. Reproduzo integralmente este texto porque estou escrevendo um a partir do livro de RICHARD DAWKINS "Deus, um delírio". Boa leitura.
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Você acredita em Deus?
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Nenhum dos mandamentos bíblicos diz que você deve "acreditar em Deus". E isso não é pelo fato de que eles já pressupõem do leitor ou ouvinte que este já seja um crente na existência de Deus. O que há é a pressuposição da concorrência. O Deus da "tábua de leis" de Moisés diz logo de início que não se deve ter outra divindade em desafio a ele. Assim, a idéia que está ali é a popularmente conhecida como a idéia do "Deus ciumento". A partir disto, todos os outros mandamentos são, de fato, mandamentos: regras de conduta.
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A partir do quarto mandamento, inclusive este, essas regras de conduta passam a ser regras exclusivamente ético-políticas. Ou seja, elas dizem o que se deve fazer em comunidade, na vida social, uma vida que é necessariamente uma vida urbana ou tendente a isso. Assim, entre dez regras, seis delas são dirigidas ao que os homens e mulheres devem fazer no âmbito da vida na comunidade, ou mesmo na vida na cidade.
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É claro que o peso maior é antes ético-moral que político. Pois as regras não relacionam diretamente o homem e a mulher com o poder – e isto caracterizaria o campo político. No entanto, é difícil admitir que os mandamentos sobre roubo, morte, falso testemunho e cobiça não tenham seu componente político, uma vez que são facilmente regras que vingariam em qualquer cidade, como atos de legislação do poder em relação aos habitantes.
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Quando olhamos a religião judaico-cristã por esse prisma, percebemos que ela nasce segundo o mesmo clima das religiões orientais. Ou seja, trata-se de um conjunto de preceitos para que a vida social possa se realizar. Não há aí nenhuma teologia envolvida. Não há aí nenhum requerimento que peça para que se investiguem questões atinentes à divindade. Não há aí nenhum "estudo de Deus".
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A teologia é algo posterior. Ela é uma forma de trabalho intelectual dos cristãos, já dispostos como Igreja, no sentido de dar conta de um passado intelectual poderoso, ou seja, as filosofias pagãs. É nesse contexto que nasce a idéia de "provas da existência de Deus" e, então, a legitimidade da pergunta "você acredita em Deus?" Fora desse específico contexto, essa pergunta não ajuda ninguém, ao contrário, ela afasta as pessoas, distancia as pessoas umas das outras. E não afasta as pessoas por revelar conceitos, mas por fomentar preconceitos. A resposta a uma pergunta desse tipo, fora do campo teológico-filosófico, impessoal, apenas gera falsas conclusões.
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No âmbito teológico filosófico, "Deus existe?" e "eu acredito em Deus ou não?" são questões que, impessoalmente, pertencem ao campo de investigação do raciocínio puro. Os letrados da Igreja se envolveram com isso. Mas, quando alguém usa de uma pergunta dessas no âmbito da doutrina, da prática religiosa e do convívio com os outros, essa pergunta serve apenas para, a partir da resposta "sim" ou "não", termos a geração de inúmeros preconceitos a respeito de quem respondeu. Nada sabemos de uma pessoa que responde a tal pergunta com um "sim" ou com um "não". Mas achamos que sabemos tudo. E começamos a achar que até sabemos o que tal pessoa irá fazer!
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Há uma idéia errada de que ao se dizer "sim" ou "não", todo o comportamento de quem respondeu pode ser mapeado e antecipado por quem escuta a resposta. E mesmo os que sabem que essa conclusão é um erro, ainda assim, se guiam por ela. Ou seja, estão já seguindo preconceitos. E assim fazem porque o preconceito é mais forte que o conceito.
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Caso sejam religiosos e crentes, a resposta "sim" lhes daria a condição de imputar o caráter "bom" para quem respondeu. Caso sejam não crentes os ouvintes, a resposta "não" é que daria a quem respondeu o adjetivo de "bom". É então, baseado nisso, que é o preconceito, que passamos a olhar para a tal pessoa que deu a resposta. Eis aí que nada sabemos dela de concreto, e nada sabemos do que poderá ou não fazer, mas achamos que sabemos tudo. Daí para diante podemos começar a imaginar coisas a respeito de tal pessoa que são falsas – certamente serão falsas. Daí por diante estamos com um guia errado na mão para lidarmos com aquela pessoa, embora estejamos convencidos que temos o guia certo. Isso é tudo que precisamos para criar um mundo ruim à nossa volta.
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Se a filosofia pode ajudar o religioso, talvez esteja nisso sua tarefa principal: fazer distinções e criar um discernimento inteligente é o que a filosofia pede para que se realize sobre o assunto. Então, que se tenha claro: temos de distinguir a que serve a pergunta "você acredita em Deus?" e ao que ela não serve. Para mapear condutas ela não serve. Para a melhora do convívio social ela não serve. Ela serve para que nos tornemos "polícias religiosas", iguais às polícias políticas do mundo todo, como foi a KGB ou a SS.
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Paulo Ghiraldelli Jr. - O Filósofo da Cidade de São Paulo
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