LOCALIZAÇÃO DE LEITORES


web site estatísticas

segunda-feira, 11 de maio de 2009

ENTREVISTA COM O FILÓSOFO.

.
.
.
O Filósofo PAULO GHIRALDELLI e sua esposa FRANCIELLE CHIES.
.
A entrevista abaixo foi realizada por ALETHEA MUNIZ especial para o Correio Braziliense de 02/05/2009.
.
Ele já formou mais de duas dezenas de mestres e doutores em filosofia, além de centenas de estudantes, agora está longe das universidades. Afastou-se depois de 31 anos de magistério para “ser filósofo”, atividade que lhe parecia incompatível com o trabalho de professor, fosse em instituição pública ou privada. Conhecido como “o filósofo da cidade de São Paulo”, Paulo Ghiraldelli Jr. dedica boa parte do seu tempo ao Centro de Estudos em Filosofia Americana (Cefa), criado em 1996. Os estudos ali produzidos são divulgados no Portal Brasileiro da Filosofia, onde é possível acessar a TV Filosofia, canal de comunicação que mantém na internet. Outra faceta desse filósofo é produzir vídeos difundidos especialmente no YouTube. Com mais de 35 livros publicados, hábil com a linguagem, é ele quem assina a obra O que é filosofia contemporânea?, que chega às livrarias pela coleção Primeiros Passos, da editora Brasiliense. A partir das duas grandes tendências do século 20, a analítica e a continental, Ghiraldelli apresenta em seu verbete crítico, como se refere à publicação, as bases para o pensamento filosófico dos nossos tempos.
.
.
C. B. No livro, o senhor afirma que os grandes temas da filosofia contemporânea são sujeito e verdade. Em que eles se diferenciam da filosofia moderna?
.
P. G. A filosofia moderna clássica quer que o sujeito seja a base para a verdade, e toma a verdade, não raro, em um sentido realista. A filosofia contemporânea desconfia da própria possibilidade de termos uma noção bem delimitada de sujeito, e começa a questionar as teorias da verdade que saem do campo realista. Os tempos contemporâneos são os tempos em que a noção de subjetividade sofre abalos de todo tipo, e a noção de verdade parece não poder mais contar com um ponto de apoio fixo, o “ponto arquimediano” de Descartes.
.
C. B. Essa virada veio com a filosofia de Nietzsche?
.
P. G. O movimento é geral, vem de Marx, Darwin, Schopenhauer e, certamente, Nietzsche é importante nisso.
.
C. B. Com a mudança, a verdade passa a ser uma questão de interpretação?
.
P. G. Na filosofia contemporânea o importante é antes o verdadeiro que a verdade. Ou seja, passamos a olhar mais para o qualificativo que possa ser aplicado ao enunciado, em especial proposições (enunciados a que se pode dizer verdadeiro ou falso), que para qualquer outra coisa. Então, os filósofos tendem a ver sob que condições um enunciado é verdadeiro. Como não encontram condições que possam mantê-lo durante todo o tempo e em qualquer lugar como verdadeiro, tendem a dizer que o qualificativo não é absoluto. É claro que há os que, como Habermas, dirão que pode ser que tenhamos de admitir isso, sim, mas que sempre teremos de admitir, também, ao menos como ideia, certo tipo de verdade como sendo para todo tipo de condições. Essa é a disputa entre Habermas e Rorty, por exemplo. O último dirá que jamais conseguiremos realmente distinguir o qualificativo “verdadeiro” do qualificativo “bem justificado”.
.
C. B. Qual é o status da linguagem na filosofia contemporânea?
.
P. G. A linguagem ganhou a cena da filosofia contemporânea. Não só pela via da ampliação da influência da filosofia analítica, a filosofia mais disseminada no mundo anglo-saxão, mas também pelo fato de que a filosofia continental viu na linguagem um elemento tão paradigmático quanto havia sido o trabalho na transição do século 19 para o século 20.
.
C. B. O senhor critica, no livro, o especialista que não se articula com outras áreas do saber ou mesmo com a própria vida. Ainda é possível fugir dessa dinâmica?
.
P. G. Os grandes filósofos são grandes filósofos exatamente porque vão do detalhes da linguagem técnica da filosofia para o campo em que a linguagem da filosofia social se aproxima do discurso jornalístico. Mas, é claro, isso é o que fazem os grandes filósofos. Infelizmente, os professores de filosofia, em especial os da universidade, estão com uma dificuldade imensa de assim agir.
.
C. B. Como avalia o planejamento da atividade filosófica no Brasil?
.
P. G. As pessoas bem educadas, no Brasil, até meados dos anos 50 e 60 eram empurradas por alguma filosofia, criavam algum “plano de vida” a partir de determinado corpo racional de pensamento. Isso era o natural. Atualmente a filosofia parece não servir mais para isso, e nossa educação aceitou rapidamente a tarefa de formar o que Weber chamou de o homem moderno par excellence: “o expert sem inteligência e o hedonista sem coração”. Ora, deveríamos poder atuar a partir não só do Ministério da Educação, mas também de organizações da sociedade civil e, certamente, da escola média, no sentido de usar da filosofia para fazer os jovens pensarem em um “projeto de vida”. Deveríamos planejar a atividade filosófica para tal.
.
C. B. Por que isso não acontece?
.
P. G. Mas quando olhamos para o Ministério da Educação percebemos que isso é impossível, uma vez que os próprios adultos que estão lá nunca souberam o que é isso, o que é uma preparação filosófica para a criação de um projeto de vida. Resta então a sociedade civil. E esta está, de fato, buscando ajuda formativa na filosofia. Todavia, os filósofos conseguem entender isso? Não estão eles presos nos seus trabalhinhos acadêmicos visando ganhar “pontinhos na Capes”? Sim, estão! Que triste isso, não?
.
C. B. As leis aprovadas em 2008 para incluir a filosofia, a sociologia e a música como disciplinas do ensino básico não seriam um esforço para mudar esse quadro?
.
P. G. A lei veio por iniciativa da sociedade civil, e eu mesmo lutei muito por isso. Mas faltou apoio governamental, que incluiu a disciplina, mas não fez nenhum movimento no sentido de ajudar os professores. Eu mesmo ofereci material para o governo, até gratuito, mas este governo que está aí funciona com uma capa ideológica e como uma confraria de amigos. Além disso, filosofia séria não dá dinheiro! O governo que está aí, como o anterior, não tem o mínimo interesse em preparar professores.
.
C. B. Em que medida a filosofia pode contribuir para um debate efetivo dos problemas atuais?
.
P. G. A filosofia dos grandes filósofos é um contínuo debate sobre os problemas atuais, e não sobre qualquer outra coisa. Alguns podem não notar isso apenas por desconhecerem o que são “problemas atuais”. Não conseguimos dar um passo sem discutir o que é o conhecimento e se máquinas podem ou não conhecer — e isso é assunto de filosofia. Não damos um passo sem esbarrarmos em problemas sobre quando começa e termina a vida, e isso é assunto de filosofia. Não temos conseguido evitar que toda semana aconteça uma nova guerra — quer assunto mais filosófico que este: o de organizar a cidade para que possamos viver sem nos acotovelarmos demais? Não consigo imaginar um assunto atual que não seja próprio da mira da filosofia. Por isso mesmo eu nunca “paro para pensar”. Nunca usa da metáfora “epa, temos de parar para pensar, parar para filosofar”. Não! Nós temos é que não parar de filosofar o tempo todo, em movimento. No meu caso, que sou filósofo, o meu tempo é inteiro ocupado por elementos próprios da minha formação filosófica, até mesmo em uma situação de disputa passional particular, minha, a filosofia está presente. Estou grávido de filosofia, e é uma gravidez eterna.
.
.
Curioso nesta entrevista é que a repórter se chama ALETHEA que vem do grego aletheia e significa "a verdade".
.
.

Um comentário:

David Varchavsky disse...

Muito boa a entrevista sendo que o mais legal foi o fato de mostrar que a Filosofia pode fazer parte do cotidiano sem que percebamos.