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terça-feira, 2 de junho de 2009

A GM, A CRISE E O GOVERNO AMERICANO.

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Uma análise feita ontem por PAULO GHIRALDELLI JR com fundamentos filosóficos da crise da GM e o seu mais novo sócio majoritário: o Governo NeoLiberal americano. (Coisa mais estranha).
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DIFERENTE, MAS É TOUPEIRA
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A notícia de hoje, primeiro de junho de 2009, é que a grande GM pediu concordata. O Governo Obama vai injetar um dinheiro alto na empresa, mas vai ficar com 60% dela. Um tipo de socialismo entra pela porta dos fundos da América? Esse socialismo esquisito vem sem propaganda, sem boina com estrela, sem a cara feia de Chaves e sem as 8 horas de discurso de Fidel, sem os fuzilamentos leninistas e sem censura à imprensa. É socialismo? Em parte, é estatização e também um crescimento de demanda por um melhor Welfare State. Há de fato uma mudança no rumo da economia americana no sentido de “corrigir” o que pode ser chamado de capitalismo hiper-liberal.
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No fundo, pelo avesso, aparece como correto aquele pressentimento de Marx de que não seria em um lugar atrasado como a Rússia que haveria socialismo, pois o bom lugar para tal seria a América. Ao cumprimentar Lincoln pela sua segunda vitória nas eleições americanas, Marx, em carta ao Presidente, revelou que ele entendia que “os trabalhadores do país da bandeira listrada” iriam dar o rumo para os trabalhadores do mundo. O crescimento dos Estados Unidos impressionava Marx, e ele imaginava que ali é que os conflitos do mundo industrial iriam ser mais agudos. Ali é que a “velha toupeira” iria ficar cavando. Na hora que menos esperássemos, ele apontaria seu focinho.
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Essa foi a parte das observações de Marx menos absorvida. Aliás, uma vez que o socialismo vingou na Rússia, até mesmo os marxistas mais empedernidos diziam que “a profecia de Marx”, neste particular a respeito da América, havia falhado. Agora, vinte anos após o fim do “socialismo real” e do início do programa americano de desestatização do que foi a URSS, os Estados Unidos optam por um avanço de um tipo de estatismo que, pode não ser chamado de socialismo, mas que é uma reação às agruras do tipo de industrialização americana, isso é. Nunca ninguém imaginou um governo americano ficando com 60% da General Motors. Mas, o mundo todo viu, Obama teve de pegar a empresa.
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Barak Obama está longe de ser adepto daquele tipo de mentalidade dos economistas que os Estados Unidos enviaram à Rússia, quando do fim do socialismo. Obama é claramente um típico liberal americano – social democrata no campo da economia, defensor dos direitos humanos e da liberdade de imprensa no campo da política. Claro que leu Marx, mas é óbvio que, se tivesse de ter alguma matriz filosófica, iria se identificar mais com sonhos deweyanos. Obama é a fina flor do pensamento de uma esquerda light com marca harvardiana. Ele gostaria de estar fazendo o que está fazendo não em crise. Mas ele não faria o que está fazendo caso não existisse a crise. Ninguém faria.
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Obama está sendo obrigado a recriar, ou talvez até criar mesmo, e de modo mais forte que o Europeu até então, o Estado de Bem Estar Social que o New Deal deixou pela metade. Como sabemos, de todos os Welfare States do mundo, o americano era o menos agressivo, o mais “liberal” deles.
De todos os países que adotaram algum tipo de keynesianismo ou alguma formulação do Welfare State no século XX, os Estados Unidos foi o único que assim o fez sem precisar se mover a partir de uma longa tradição de lutas operárias. Houve lutas, sim. Não vamos esquecer o anarquismo e os mortos. Houve marxismo, sim. Mas, diferentemente da Europa ocidental, que construiu uma vertente não revolucionária do marxismo, e que deu base operária para os partidos social-democratas, nos Estados Unidos as coisas se passaram de modo ímpar.
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O New Deal deu início ao Walfare State americano, e o fez sem qualquer apelo a Marx. Aliás, já nos anos dez, o movimento dos trabalhadores americanos tinha algumas dificuldades com o marxismo. E os intelectuais nova-iorquinos de esquerda já haviam aderido a uma plataforma pragmatista, ao gosto de John Dewey. É claro que havia uma ligação com Trotsky, nesse caso. O estalinismo era o inimigo comum. Mas, caso Trotsky não tivesse sido morto, é difícil acreditar que ele teria tido sucesso em convencer os intelectuais americanos a adotar o marxismo novamente. É mais fácil ver o contrário: ele, Trotsky, tenderia a se americanizar e ir para o lado dos “liberais americanos”, ou seja, o lado equivalente à social-democracia européia, com um apelo reduzido ao marxismo. Caso não fizesse isso, ficaria isolado e iria ser descartado.
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Esse caminho da esquerda americana, reformista (francamente não-revolucionária), que permaneceu durante muito tempo hegemônica na América, e que migrou paulatinamente para o interior do Partido Democrata, deixou o marxismo nas mãos do que era a URSS. O marxismo se confundiu com o comunismo, com o leninismo e, depois, com a KGB e com tudo que a URSS representou de atrasado no século XX. Depois, nos anos sessenta e setenta, surgiram os chamados “radicais americanos”, re retomaram Marx, mas o fizeram não no campo da política propriamente dita, mas no âmbito da análise acadêmica. Não houve e não há um “retorno de Marx” aos Estados Unidos de Obama, mas há uma prática econômica e política que nos deixa ver que Marx tinha lá sua razão ao dizer que os trabalhadores do país da bandeira listrada iriam dar rumo ao mundo. Afinal, hoje, foi o voto popular para Obama que está possibilitando a crise americana ser equacionada por meio de um pensamento heterodoxo na vida capitalista dos Estados Unidos. O caminho que Bush tinha para a crise não era viável – todos sabiam disso, inclusive os republicanos. O caminho de Bush implicava em injetar dinheiro nas empresas e bancos, sem assumir as empresas e sem qualquer avanço à esquerda na doutrina social. Isso não serviu aos americanos – o voto para Obama foi um voto por reformas estruturais.
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Não sabemos hoje se os Estados Unidos sairão da crise. Mas a torcida é para que a opinião de Marx vença quanto ao que falou para Lincoln. Que realmente os trabalhadores do país da bandeira listrada ponham uma direção melhor para o mundo. Pois o que eles querem é que os Estados Unidos voltem a produzir, deixando a vida da especulação de lado. Ao mesmo, o mundo quer que os americanos voltem a consumir, para que eles possam voltar a produzir. Essa equação pode ser resolvida por meio da proposta de Obama? Pode. Mas o Presidente americano não é entidade divina. Em parte ele é, como todos nós somos, um pouco expectadores da toupeira.
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Que a toupeira botou a cabeça para fora, não há dúvida. Mas, cuidado. Não esperem dela guilhotina ou pelotão de fuzilamento. Nem toda toupeira é militar ou radical. A toupeira que apontou a cabeça nesse primeiro de junho, até o momento, disse apenas uma coisa: quero o meu Chevrolett, afinal, é um bom carro.
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Por: PAULO GHIRALDELLI JR.
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