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quinta-feira, 16 de julho de 2009

O COMPLETAMENTE OUTRO.

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Este documento diz quem sou, diz que este da foto sou eu com minhas características. Diz que não sou outro, mas sou eu.
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O leitor já percebeu como faço para dizer quem sou e o que penso. Não é um truque, mas se tornou um hábito, uma forma de pensar e de falar que há muito os seres humanos exercem. Gosto de afirmar a minha identidade através de um jogo dialético negativo entre o que sou e quem sou com o que e quem não sou.
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Uma das formas que o ser humano desenvolveu para conhecer e dizer o que as coisas são é desenvolvendo raciocínios por semelhanças e diferenças. Digo o que uma coisa é caracterizando-a e dizendo o que ela não é. Só posso dizer que uma coisa é quando a comparo com outras coisas. Se assim não fosse não conseguiria dizê-la. Poderia dizê-la, sim, de um jeito menos complicado, mais fácil como fazem muitos. Mas...
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Quando digo que o outro é de um jeito que não concordo, estou dizendo, implicitamente, quem sou. E dizer que o outro é um não-eu, que é o absolutamente outro, é fundamental para que não percamos a nossa identidade.
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Quando deixamos de nos tornar que somos nos acostumamos a ser quem não somos na identidade do outro. Aí, tudo passa a ser comum, normal. Deixamos até de perceber o que antes víamos com indignação. Ficamos cegos. As diferenças desaparecem e tudo se torna um só. Tudo fica igual, perde-se a identidade. E isto gera angústia.
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Imagine entrar num estádio de futebol na China (claro, um exemplo rude). Que impacto você não sentiria? Eu sentiria medo, angústia. Pensaria: não estou no lugar errado por ser diferente de tanta gente. A angústia surge porque o estranho sou eu, e como posso querer ser quem sou com tanta estranheza? Como posso dizer quem sou para tanta gente que não é como eu? Angustiado, me imagino diferente demais no meio de tanta igualdade. E aí, resisto e permaneço na minha identidade?
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Essa angústia é falsa. É só um sentimento de rejeição, pois não se define quem somos pela similitude, mas pela diferença. Este é o resultado que quer gerar em nós, o outro, que deseja anular a minha identidade.
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Enquanto digo que roubar o dinheiro e bens públicos é errado, e enquanto digo que incompetentes não devem ser levados ao exercício do poder, estou dizendo que sou diferente de quem pensa e age de modo contrário.
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Mas o outro diz que todos roubam e são incompetentes, que todos fazem isso. Neste instante ele está me convidando a entrar no estádio chinês. Está forçando um estranhamento em mim. Está dizendo que é normal, comum. Está me tornando um cego, está me descaracterizando, está me tornando um não-eu, está me tornando igual. Neste momento a minha angústia começa a desaparecer.
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Mas tenho que ser convicto de quem sou. Tenho que defender quem sou, pois só posso me reconhecer na diferença do outro. Neste momento o que me torna diferente começa a gritar dentro de mim denunciando como crime aquilo que o outro “acha” comum, normal. Pois é uma fraude que comunico na mesma língua do outro para acordar os demais.
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Assim, digo quem sou. Agora dá pra entender por que digo continuamente que o não-eu, o completamente outro é tudo o que ele é e representa? E vou continuar dizendo o que tenho denunciado para poder afirmar quem eu sou em contraponto com quem não sou.
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E prefiro a angústia da estranheza do que a perda da capacidade de indignação.
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