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sexta-feira, 11 de setembro de 2009

COTAS???!!!

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UMA GOTA DE SANGUE AZUL
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A direita brasileira não quer que exista aquilo que sempre existiu, ou seja, uma carteira de identidade na qual se registra a cor do indivíduo. Não quer isso porque tal carteira, agora, com a política de cotas para o ensino superior, supostamente daria o direito de negros ricos entrarem na universidade com menos nota do que um branco pobre ou rico.
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A esquerda brasileira é a favor da política de cotas raciais nas universidades. Faz a defesa de tal política dizendo que é um elemento de “justiça histórica”, pelo fato dos negros terem sido escravizados e, depois, favelizados e discriminados pelo preconceito. Além disso, acredita que tal política alavancaria a educação dos negros de modo mais rápido.
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As posições contra as cotas estão sintetizadas no que o professor Demétrio Magnoli advoga no seu livro Uma gota de sangue (Editora Contexto, 2009). As posições da esquerda podem ser vistas no discurso oficial governamental e, enfim, nos de vários intelectuais lulistas. Os argumentos dos dois lados não me convenceram.
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O argumento dos que estão contra a política de cotas, quando quer se passar por liberal, é o da injustiça. Negros ricos dariam saltos sobre brancos pobres. Todavia, esse argumento esbarra nos dados da realidade: diferente dos Estados Unidos da época dos movimentos pelos Direitos Civis, nosso país, formado por maioria não-branca, ainda não tem uma classe média negra. No Brasil, os negros são pobres. Se um negro rico entrar em uma universidade por conta da política de cotas, com nota menor que um branco, isso será a exceção, não a regra. Algo completamente corrigível. Basta que se faça a ampliação das vagas universitárias, o que não é difícil de ocorrer em um país como o nosso, que tem recursos para aplicar na educação.
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É claro que os que estão contra as cotas podem também argumentar que tal política quebra a ordem jurídica liberal – a isonomia perante a lei – e, quando fazemos isso, é necessário saber muito bem o que se coloca no lugar. Pois, em geral, quando substituímos a ordem liberal por outra, o que vem é bem pior do que ela. Todavia, isso também é corrigível. A política de cotas pode ser uma política com data marcada para acabar.
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Se os que não querem as cotas podem vir a argumentar que essa política divide a nação em “brancos” e “negros”, e que isso pode gerar conflitos que antes não existiam, temos razões para pensar que tal afirmação é ideológica, errada, pois os conflitos sempre existiram. Não houve no Brasil racismo, mas preconceito sempre existiu. Não vamos criar racismo de reação dos brancos por causa das cotas raciais. Seria necessário algo muito mais ofensivo, bem mais marcante para que uma coisa assim viesse a ocorrer. Para fazer florescer o racismo seria necessário algo capaz de mobilizar ressentimentos avassaladores. Teríamos de ter uma política que alijasse de uma vez os brancos de concursos públicos e coisas assim. Eu mesmo cheguei a pensar que poderia, sim, existir uma reação branca à política de cotas. Mas ela não veio. A população brasileira entendeu bem a situação e tem sido amável a respeito das cotas. Eu estava errado.
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Sou favorável à política de cotas como ela vem se desenvolvendo. Todavia, não participo do mesmo discurso da esquerda. Pois o problema da política de cotas não é sua institucionalização, e sim as intenções proferidas pela esquerda. Estas sim, quando postas na mesa, criam reações. Aliás, se o discurso da esquerda fosse outro, menos fora de órbita, talvez não houvesse espaço para um livro como o de Demétrio Magnoli.
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A política de cotas não tem eficácia nenhuma do ponto de vista educacional. Ela não serve para melhorar a educação dos negros. Só a escola pública gratuita e de boa qualidade associada a uma boa política de redistribuição de renda é que pode resolver isso. A política de cotas é quantitativa e qualitativa, inócua como política educacional. Também ela é um barco furado quanto à “justiça histórica”. Esse tipo fomento à culpa social apenas gera ressentimentos. Não gera ressentimentos na população brasileira, que já não é mais branca, mas cria oportunidades de surgimento de propaganda conservadora por parte de pequenos grupos, alguns dos compradores do livro de Magnoli.
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Bom, se assim é, qual é o objetivo real da política de cotas que a torna algo eficaz? Eficaz em que sentido? Uma coisa só: colocar os corpos dos negros em lugares que possam ser vistos tanto quanto os corpos dos brancos já eram ali visíveis. Assim, criando a visibilidade mútua, ampliam-se as chances do respeito e da diminuição do preconceito. Na prática, a política de cotas é como a política de co-educação dos sexos, que também foi difícil de ser aceita pelas elites, no início do século XX.
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Parece pouco, mas não é. O preconceito é parente da inveja, uma doença dos olhos. “A grama do vizinho é mais verde”, eis aí a regra de manifestação da inveja. “O negro não existe aqui, neste terreno, eis a prova de que ele é inferior”, eis aí o motor do preconceito. As cotas fazem os brancos conviverem com os negros em um espaço que, até então, não recebia negros. É uma forma de acelerar a diminuição do preconceito do branco para com o negro e de ampliar o respeito do negro consigo mesmo. Não há como esperar o surgimento de uma classe média negra que, então, viria a ocupar a universidade. Isso seria uma má política para um país que oficialmente já não é mais branco. Houve o cruzamento entre o branco e o negro, e assim mesmo, em vários lugares do país, o corpo do negro não é visível. Um empurrão, com a política de cotas, e eis que iremos superar isso. Em pouco tempo teremos um país mais suave e, então, poderemos falar de democracia racial verdadeiramente.
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Caso a esquerda pare de advogar a política de cotas com um discurso errado, talvez possamos despertar menos o ódio conservador que, enfim, não emerge da população em geral, como eu, erradamente, pensei que poderia vir. Com o argumento correto, fica mais fácil não provocar a ira daqueles leitores do professor Demétrio Magnoli ganhos pela sua causa. Ou, no mínimo, evitaremos ter de agüentar mais um livro conservador na praça – um livro tão ideológico quanto a ideologia que diz ter mapeado.
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Por: PAULO GHIRALDELLI JR.
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São Paulo, 9 de setembro de 2009
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