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terça-feira, 11 de agosto de 2009

SOBRE LIBERDADE E CORPO.

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Mais um texto do Filósofo da cidade de São Paulo.
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A LIBERDADE É PINK
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A liberdade de decidir sobre alternativas postas é uma boa coisa, mas é pouco. A liberdade de produzir as alternativas é muito boa coisa, mas ainda deixa espaço para se pedir mais. A liberdade melhor é a liberdade da imaginação. A liberdade é efetivamente boa quando é a liberdade de inventar.
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Os humanos são bons no uso da linguagem. Tomando Donald Davidson a sério, a linguagem é algo do âmbito da imaginação, é quando a invenção se põe no caminho da semântica que o espaço lógico ganha o que pode ganhar da liberdade. Criar metáforas para que o espaço lógico possa ser ampliado com o inusitado é um grande programa de liberdade.
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Mas, o que é uma metáfora? Seguindo Davidson e o modificando para seu próprio uso, Richard Rorty diz que uma metáfora não é algo que tem um significado que, uma vez literalizado, dá o que tem de dar aos olhos e ouvidos. Uma metáfora não tem significado. Uma metáfora é uma ruptura no âmbito da linguagem que se desenvolve em um discurso, como quando alguém, em meio a uma fala, arranca um desenho do bolso e o põe no diante do rosto do interlocutor, ou dá um beijo ou um tapa no interlocutor. Eis aí a metáfora: há um significado para isso? Não! Há diversas interpretações. Até mesmo o que leva o tapa, por exemplo, não poderá dar um significado para o ocorrido, ele tenderá a interpretar e reinterpretar, para ver se pode entender. Talvez o mesmo ocorra para o que desferiu o tapa. A metáfora usada em um texto é parecida com isso. Ela é responsável pela linguagem.
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A linguagem é do âmbito da imaginação. Ela se estabelece a partir de metáforas que deixaram de ser metáforas. Toda a linguagem é um conjunto de metáforas mortas, literalizadas. Mas, enquanto os sons metafóricos não foram literalizados, eles fazem tudo que é para fazer em favor da liberdade – é a liberdade acendendo sua tocha. Isso é dito por Rorty com todas as letras.
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Concordo com Rorty quanto isso. No entanto, creio que é necessário lembrar que não usamos da linguagem como um aparato restrito de sintaxe e semântica. Ou, melhor dizendo: a sintaxe e a semântica se fazem a partir do conjunto de metáforas que ainda nada tem de parecido com isso, um conjunto que se produz por meio de sons e de toda a intervenção do corpo. Não falamos com o cérebro. Deixando Chomsky de lado, nós, davidsonianos, como a maioria, não acreditamos em um mentalês. Falamos e, portanto, pensamos, enquanto aqueles que são corpos no mundo. Caso fôssemos moluscos cegos, nossa sintaxe e nossa semântica seriam algo bem pobre.
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Quando nos damos conta disso, percebemos o quanto somos do âmbito da Terra, do espaço, da geografia, e não somente da história. Desde Hegel temos nos preocupado em fazer a filosofia ser uma espécie de apreensão da história em aparatos de justificação, ou seja, uma prática de tornar o nosso tempo captável pelo pensamento. Deveríamos ver que no momento em que o nosso tempo é apreendido pelo pensamento, ou seja, pela linguagem, de modo a vê-lo racional ou dar a ele um sentido – mesmo quando nos parece louco –, o que fazemos é o nosso melhor quando nosso corpo entra todo ele na produção do vocabulário necessário.
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Quando notamos isso, percebemos nossas chances de fazer a liberdade ser a melhor liberdade. Quanto mais trouxermos o corpo para a cena, mais temos aquele que é o subversivo por natureza, que é o produtor de metáforas por vocação íntima e, por isso mesmo, o grande provocador das chances da liberdade escapar de uma vez por todas de só aparecer quando em um jogral, junto com suas duas outras parceiras de Revolução Francesa. A liberdade não é azul, branca ou vermelha, ela é pink. Ela é da ordem do desordenado. A liberdade é grávida de corpo ou não é liberdade.
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A dança diz muito isso, a respeito da liberdade. Por exemplo, podemos, por razões de sermos pouco observadores, acreditar por um bom tempo que o movimento corporal é limitado. Newton é seu dono. Ele deveria estar preso às leis da biomecânica e, portanto, suas possibilidades parecem finitas. No entanto, a cada nova “onda de dança”, ficamos boquiabertos, pois o movimento corporal se faz de modo diferente, inédito e, assim, percebemos como que o corpo é o parceiro da imaginação e ambos os construtores da liberdade em sua melhor forma. Aliás, não à toa a mitologia grega mostra os deuses como os autênticos cultivadores da dança.
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Quebrar a vontade, tornar as pessoas dóceis, fazê-las escrever e pensar de acordo com padrões é, sempre, um trabalho sobre o corpo. Marchar é uma prática nos batalhões de guerra, embora na guerra (moderna) não se deva marchar. Ora, a marcha é usada não para outra coisa senão para tornar o corpo obediente. Uma vez ele, o corpo, tornado obediente, toda a obediência segue seu rumo. Toda e qualquer ideologia só vinga quando o corpo a permite.
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Uma boa antropologia seria aquela que, com os filósofos que prestaram atenção na linguagem, não nos esquecêssemos também do texto fora de moda de Engels, sobre o “papel da mão na humanização do homem”. Ninguém hoje endossaria a idéia de Marx e Engels de montar uma antropologia calcada na idéia de que o homem é homem a partir do trabalho. Mas, ninguém poderia deixar de lado a intuição que Marx teve ao dar importância para a relação do homem com a Terra, mesmo quando se quer privilegiar no homem a linguagem. O que une a idéia de linguagem e trabalho é o corpo. Quando partimos da noção de corpo e de sua importância para a noção de liberdade, fazemos o melhor para uma antropologia futura. É nessa hora que a filosofia abre suas asas para o que é pink. Então, tudo se move.
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Por: PAULO GHIRALDELLI JR.
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