Brando estupefato com o golpe de mestre do motorista.
Mais uma história de Ana Flores, a cidade fictícia que criei
para expressar as mais absurdas situações inventadas para apontar malfeitos
políticos sem ter de dar nomes e identidades verdadeiros aos meliantes. Ana
Flores tem sido nos últimos anos pródiga em situações inacreditáveis, uma vez
que invento tais situações com o objetivo de escarnecer alguns políticos novos
ricos.
Todos os personagens desta história e as situações por eles
protagonizadas são meras criações fictícias e qualquer relação existencial com
alguma cidade verdadeira ou personagens reais terá sido mera coincidência.
Desta vez a história é surpreendente.
Um político foi ao encontro marcado com um prestador de
serviço para receber dele o “por fora” combinado desde que lhe foi garantido a
execução de uma obra “elefante branco” através de uma concorrência fraudada. Depois
de idas e vindas, por telefone e mensagens de texto via celular, o político já
estava exasperado para receber a propina, pois tinha urgência em repassar o
dinheiro a um emprestador não oficial de dinheiro que o pressionava
ameaçadoramente já havia tempo.
Era pegar a propina e entregar nas mãos do emprestador não
oficial de dinheiro. Tal pagamento era apenas uma parcela dos juros do dinheiro
emprestado para uma campanha fracassada num passado recente. Seria jogo rápido.
Assim tinha prometido o político a ele. Mas as coisas nem sempre saem do jeito
que os salafrários desejam.
Tendo dado certo, finalmente, o encontro com o prestador de
serviços e saído de lá com cerca de R$ 200.000,00 num envelope, o político foi
embora com um sorriso cínico e desafiador das leis, dos cidadãos e das
autoridades, nos lábios. O mesmo que ele costuma ostentar publicamente em
eventos e nos meios de comunicação para os anaflorenses.
Ele se dirigiu ao carro que o esperava com o motorista já
preparado para empreender fuga. O político disfarçou o envelope dentre outros
papeis e o motorista, sua única companhia naquele momento, não percebeu a
existência do envelope com a propina. Dada a ordem para sair dali, o motorista
seguiu o itinerário indicado sem dizer palavra, pois o político não poderia se manifestar
sobre o tema do encontro.
Mesmo que em alguns casos seja prudente aos ladrões confessar
alguns poucos detalhes para que o acompanhante lhe sirva de testemunha em
encontros como esses. Mas não foi este o caso. O político seguiu a viagem sem
falar nada sobre o encontro e nem muito menos sobre o prestador de serviços.
Poderia levantar óbvias suspeitas.
Chegando ao destino do político, o motorista foi dispensado
para ir ao lugar que lhe aprouvesse. Descansar da viagem seria o mais sensato.
Foi isto o que ele fez. Foi pra casa.
Ao chegar a casa o motorista foi vistoriar o carro. Um hábito
comum entre os que exercem essa profissão. No banco de trás havia um envelope
com certo volume aparente. Como o político não havia dito nada ao motorista
sobre cuidados especiais quanto a qualquer objeto dentro do carro, já que tudo
estava entre os papeis em suas mãos, o motorista foi averiguar o que havia
dentro do envelope.
Pasmo ficou sem saber o que fazer diante de tanto dinheiro. A
quantia era inimaginável para ele, mas apenas uma parcela de uma dívida do
político com o emprestador não oficial de dinheiro. Ficou, por alguns segundos,
a pensar sobre o que faria naquela situação. Qual a atitude mais recomendada?
Qual a decisão mais prática a ser tomada em meio às milhares que lhe ocorriam
diante de tanta propina?
Sem tempo para muito mais pensar, o seu telefone toca. Do
outro lado um desesperado e angustiado político gritando para o motorista ir
devolver-lhe um envelope que havia esquecido no banco traseiro do carro. Ao que
o motorista lhe pergunta: “Que envelope, sr. Brando?
Não acreditando na pergunta Brando, o político, lhe indica o
lugar para que procure imediatamente. – Tudo bem, vou dar uma olhada. Assegura
o motorista.
Passados alguns poucos minutos ele retorna. – Não há envelope
algum no banco traseiro do carro, não, Sr. Brando. O político fica mais louco
ainda e diz: - Como não há se o deixei aí quando entrei no carro? Como pode ter
desaparecido se só nós dois estivemos dentro do carro? Eu não peguei, então ou
ele está lá ou você o pegou. Disse-lhe Brando.
O motorista define a posição que irá adotar dali para frente
com a intenção de garantir credulidade à sua versão dos fatos. Pelo menos à sua
versão dos fatos. Negar a existência do envelope.
Firme nesta disposição de negar a existência do envelope – e
não, não era um saco de lixo preto, mas um envelope desses de papel - o
motorista permanece continente.
Brando, então, o chama para lhe falar pessoalmente. E quando
o motorista chega o político o puxa pelo braço e o leva a uma sala reservada. –
Vamos rapaz, devolva o envelope. Diz o político ao motorista. Ao que este lhe
responde: - Não havia envelope lá, sr. Brando. Prove que havia envelope. O que
havia dentro do envelope? Até agora o sr. só falou que existe um envelope, mas
nada disse sobre o seu conteúdo.
- Não interessa o que havia dentro. O que quero é que você o
devolva. Replicou Brando. Mas o motorista, astuto como um kleptes determinado a mudar de vida
sem trabalhar e sem esforço algum se mantém impávido diante das ameaças feitas
por Brando.
- Vamos definir bem a situação, disse o motorista a Brando. E
continuou: - Se o sr. quiser me acusar de roubo vá à delegacia e faça uma
queixa e me acuse de ter sumido com tal envelope. Mas não se esqueça também de
declarar o conteúdo. Diga como tal envelope chegou às suas mãos, qual a origem
e quem é o dono do conteúdo, a quem ele se destina.
Vendo que a situação se tornara mais embaraçosa do que
previa, Brando se pôs a pensar por alguns segundos e percebeu que o motorista
havia lhe dado um golpe. Um golpe de mestre. É claro que a intenção do
motorista, inicialmente, não fora esta. Mas as circunstâncias lhe promoveram ao
status de kleptes de ocasião com a grande oportunidade de mudar radicalmente a
sua vida financeira.
Vendo que não iria convencer o motorista a devolver os R$
200.000,00 o político resolveu demiti-lo e mandá-lo embora. É claro que ambos
não iriam comentar com mais pessoas o golpe de mestre. Até porque ambos correm
o risco de ser presos se declararem o conteúdo do envelope e de sua origem,
como também de sua destinação. Mas há sempre momentos de indiscrições de uma
parte e de outra.
O motorista foi cuidar de sua nova vida financeira em outra
cidade. De lá manda lembranças a Brando toda vez que encontra um conhecido. Não
envia lembranças para debochar da situação, não. Mas grato pela reviravolta
financeira que dera em sua vida graças às trapalhadas de um político ladrão.
P. S.: Esta foi mais uma obra de ficção de minha autoria. Se
o leitor quiser saber a origem da palavra ladrão e seu significado original
basta clicar AQUI.
Até breve com mais histórias de Ana Flores.
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