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terça-feira, 20 de abril de 2010

CACHORROS E SEUS DONOS.

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Meu cachorro PLATÃO. Morreu vítima de envenenamento covarde.


O CÃO E A FILOSOFIA NO LAR

Nos bairros ricos, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, a parte da manhã é dedicada ao passeio dos cães. Eles deveriam estar com seus respectivos donos, mas não estão. Eles já nem sabem bem quem são seus donos. Seus donos também já não se lembram mais deles. Eles passeiam nas mãos de empregados especialmente contratados para esse serviço ou, então, nas de domésticas que, enfim, só fazem aquele serviço extra, no meio do expediente, porque não têm alternativa.

Com um compromisso parecido com aquele que tiveram com o nosso país, desde a colonização, os nossos ricos se ligam aos seus cães como quem se liga a um objeto qualquer, não a um habitante vivo da Terra. O cão foi comprado para o filho em uma feira de filhotes, única e exclusivamente para satisfação antes de um consumo aleatório que propriamente necessidade do filho. Uma vez que o filho cresceu, ainda que pouco, o cão foi deixado de lado. Cuidar, mesmo, o garoto nunca cuidou de fato daquele que poderia ter sido seu companheiro. Entrando na pré-adolescência, então, tudo se tornou pior. Os pais que, enfim, já nem queriam mesmo o cão, toleram o animal como que na esperança de não admitir que o filho cresceu. De certo modo, são castigados, pois precisam todo dia olhar para o cão e, assim, ver que o filho cresceu, e o fez de modo bem errado. Mas, enfim, os ricos adultos talvez já sejam eles mesmos frutos de criação semelhante – nada com que se responsabilizar se não há um caldo para tirar do objeto agora. Amanhã? Amanhã é outro dia.

A classe média faz um pouco diferente. Cada família de classe média se identifica com o seu cão. É claro que um ou outro jovem da casa pode ter lá seu comportamento esquisito, de não ligar para o membro familiar de quatro patas. Mas, na casa, sempre há alguém que assume o cão e o trata com dignidade. Há na classe média uma simpatia para com cães. É em cima dessa classe média que o Brasil se tornou o segundo maior mercado do mundo do campo veterinário e de lojas para bichos. Só ficamos atrás dos Estados Unidos nesse quesito.

Uma parte considerável da população de classe média das grandes cidades ama os cães. Não só os seus, mas tem um apreço especial por todo e qualquer cão, uma vez que eles possuem um dom fantástico que todos nós gostaríamos que os humanos tivessem: são crédulos. Você pega a coleira de um cão e ele abana o rabo e acredita que vai sair, ainda que você esteja fazendo isso apenas para enganá-lo, para ele se acalmar momentaneamente ou para poder tirá-lo de um cômodo e levá-lo para outro. Algumas pessoas não enganam seus cães; sentem que, por elas deterem o dom da dissimulação que, no cão, surge apenas como tentava infantil de ludibriar, seria covardia tratá-lo como café-com-leite. Pessoas assim são exatamente aquelas que levam a sério o “direito dos animais”. Felizmente, existe gente assim, de modo a combater os que enganam bichos, pois essa atitude sorrateira contra o animal é o primeiro passo para se ter uma personalidade pouco cuidadosa com o bichinho; é o que dá margem para os que podem judiar dele e, assim, alimentar a crueldade do mundo.

Quando eu era pequeno li uma história que me deixou chocado por muitos anos. Eu havia aprendido a ler muito recentemente e estava testando minhas habilidades. Peguei um livro estranho na biblioteca da escola. Parecia para crianças e, ao mesmo tempo, para jovens. Foi então que li a história de um menino que tinha um cão super companheiro e obediente, que ia buscar o graveto que ele jogava, desempenhando tal tarefa mesmo que ela fosse muito difícil. Um dia, o menino inventou de fintar o cão. Fez que jogou o graveto e não jogou. Escondeu o graveto, deixando o cão procurar de bobo por horas, terminando por não encontrar realmente nada. Pela primeira vez, o cão sentiu que falhou. No dia seguinte, quando foi brincar com o cão novamente, o bichinho apenas acompanhou com os olhos o trajeto do graveto, mas não foi buscá-lo. Nunca mais foi buscá-lo. Eis aí um cão de opinião – é o que penso hoje. Mas, na época, pensei não só sobre o cão, mas a respeito do menino: eis aí um garoto que perdeu seu melhor amigo – que desgraça! E também pensei sobre o cão: que amarga desilusão aquela. Foi assim que guardei a lição daquela história, cuja moral que o autor quis passar, penso eu, era esta mesma. Nunca gostei de pessoas dissimuladas, principalmente contra os ingênuos. Contra o cão, tomo como crime.

A credulidade do cão tem a ver, também, com sua capacidade de fazer o que tem de fazer em qualquer lugar – seu “despojamento”. Os filósofos da escola cínica (cão = kynós, o que origina no grego kynismós e no latim cynismu) receberam esse nome exatamente por causa do seu comportamento aberto, franco e chocante. Um cínico podia viver nas sarjetas e se esconder da chuva em um barril. Masturbava-se em público. Comia na Agora. Sua filosofia não se exercia por textos, mas por comportamentos. Abusar das regras dos cidadãos era uma forma de mostrar a eles que viviam por convenções e eram escravos delas. O fundador da escola foi Antístenes, discípulo de Sócrates, mas seu grande expoente foi Diógenes, aquele que Platão chegou a dizer que era “Sócrates tornado louco”.

Quando alguém me procura para perguntar sobre “filosofia para crianças”, minha resposta é uma só: filosofia para o seu filho? Caso queira filosofia para seu filho, simples: faça-o entender e respeitar a escola cínica desta maneira: que ele tenha um cão em casa e aprenda a tratá-lo como amigo – para sempre. Você estará dando filosofia para seu filho para além de qualquer programa escolar se puder educá-lo de modo a amar seu cão, conversar com ele, gastar tempo com o amigo de quatro patas. O garoto que sabe ter um amigo de quatro patas, para valer, conservando essa relação afetiva por toda a vida, fez um excelente programa de filosofia.

Por: PAULO GHIRALDELLI JR.

17/04/2010

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Sobre o comentário desta postagem gostaria de esclarecer que este texto é de autoria do Filósofo PAULO GHIRALDELLI JR. Como, aliás, está indicado no final.

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Um comentário:

ABDIAS JUNIOR disse...

Lindo texto, adorei!!! Gostaria de saber o que te levou a publicá-lo agora... Você perdeu o seu Platão recentemente? Caso seja sim, lamento.
Parabéns, você é fantástico, adoro seus textos.