A personagem Carminha da novela “Avenida
Brasil” enfeitada com seus adereços religiosos, em imagem retirada da Internet.
“Assim que o dinheiro tilinta na caixa, a alma salta fora do
purgatório”, assim professava João Tetzel nas feiras anuais de Roma para vender
as indulgências oferecidas pela igreja aos pecadores. Estes sabendo que
poderiam pecar, pois haviam de se salvar comprando o perdão, banalizaram o
significado de pecado. Estavam livres para as suas sânies.
Sabendo, de acordo com a bíblia, que não havia pecados
maiores ou menores, mas pecados, Lutero se destinou à luta para esclarecer que
só Deus teria o poder de salvar os pecadores. Assim ele dizia: “Pecado é
pecado, sem gradação, e qualquer pecado leva ao inferno, pois afasta o pecador
de Deus”.
Lutero foi também um dos mais empolgados defensores da
modificação do valor atribuído ao trabalho em sua época. Ele rompeu com a
ideologia herdada (em seu tempo) da Antiguidade sobre o trabalho. Tal ideologia
propugnava que o trabalho não deveria ser utilizado como meio de
enriquecimento, apenas como meio de expiação dos pecados e subsistência dos
pobres. Trabalho, então, era uma atividade reservada aos servos e pecadores.
Mas alguns dos aspectos históricos que justificam a moral estabelecida você
pode ler AQUI, AQUI e AQUI.
Junto ao anseio da nova classe social que ascendeu ao poder e
que precisava do trabalho como fonte geradora de riqueza, Lutero pregava que
fora do trabalho “há a ausência da graça divina”.
Dito isso, desejo avaliar uma indicação de leitura sugerida
por um amigo das redes sociais de uma frase escrita recentemente num portal de
notícias de Floriano cujo dono é um analfabeto funcional (leia AQUI) e,
exatamente por isso, suponho que ele divulga ideias que explicam seu modo de
agir como sendo a forma ideal de viver das pessoas.
É atribuída a Maquiavel a máxima que diz: “Os fins justificam
os meios”. Mas ele nunca a disse textualmente. Derivam de leituras de sua obra
“O Príncipe” as interpretações que culminaram na frase citada.
Então, eu como professor e tantos outros profissionais da
educação, além é claro da maioria dos pais e também de religiosos, pregamos o
valor atribuído ao trabalho como forma de dignidade e dignificação do ser
humano. Karl Marx disse que o trabalho "é a essência do homem, pois é o
meio pelo qual ele se relaciona com a natureza e a transforma em bens a que se
confere valor”.
Portanto, todos devem ser educados para o trabalho. É claro
que não estou falando de trabalho alienado, até porque citei Marx para
esclarecer este ponto, mas como meio de construirmos a nossa dignidade e nossa
vida a partir dos critérios éticos estabelecidos. Trabalhar é a via que devemos
seguir para conseguirmos os meios dignos de nos sustentar e atingir nossos
objetivos. Qualquer pessoa minimamente digna e bem escolarizada defende esse
aspecto ético.
Richard Rorty disse que podemos nos tornar “versões melhores
de nós mesmos“ a partir do entendimento de quem somos e como podemos fazer para
viver melhor. A partir do que disse Rorty entendo que devemos aprender ao longo
da vida que há meios e “há meios” para seguirmos adiante e atingirmos os nossos
objetivos.
Creio e ensino que não se deve fazer qualquer coisa e de
qualquer jeito para se conseguir aquilo que se quer. Pois se as pessoas
acreditarem nisso e seguirem adiante com esse “ensinamento” a nossa vida em
sociedade retornará à barbárie, posto que se cada um for utilizar de meios
fraudulentos para atingir seus objetivos as leis e a moral estabelecidas não
controlarão os ímpetos irracionais e primitivos de muitos seres que em tal “princípio”
se basearão.
Pregar desavergonhadamente que “os fins justificam os meios”
é de uma desassombrada falta de ética. Chega mesmo a revelar muito de quem
prega e divulga esse tipo de postura imoral.
“Ah, mas a frase foi dita num contexto restrito”, poderiam
objetar. Fica pior, pois o relativismo moral levado à extremidade dos
princípios aceitos socialmente revela o senso de oportunismo dos propugnadores.
Vejamos: Se alguém tem dificuldade para atingir seus objetivos poderia propor
que apenas uma vez irá utilizar de meios fraudulentos para conseguir a
finalidade desejada. Você apoia esse relativismo?
De volta a Lutero estritamente naquilo o que ele disse sobre
a desfaçatez da banalização do relativismo moral: “Pecado é pecado, sem
gradação, e qualquer pecado leva ao inferno, pois afasta o pecador de Deus”.
É! É verdade, estou utilizando princípios morais religiosos
para me apoiar naquilo que mais dizem representar os propaladores da máxima atribuída
a Maquiavel. Não para revelar que levo ao limite esses valores, mas para
mostrar que dizendo-se religiosos os propaladores da imoralidade se mostram nus
na primeira oportunidade que se lhe oferecem.
Enquanto a sociedade na sua quase totalidade, mesmo com os
valores que enaltece, luta para conseguir uma convivência que possibilite a
todos que se tornem versões melhores de si mesmos temos de conviver com aqueles
que tanto no âmbito político quanto no âmbito particular utilizam, ou dizem ser
melhor utilizar, de “princípios” desnorteadores para uma sociedade que sabemos
viver uma insistente crise moral.
Esse tipo de gente é daquele tipo que faz o que faz sabendo
que poderá pagar por “indulgências” morais. Pregando o que pregam o seu caminho
para a absolvição será garantido visto que os outros estarão mais abertos e
receptivos às suas imoralidades. Pode ser um dos objetivos desse tipo de propalação “ingênua” e “despretensiosa” da imoralidade.
São os filhos da Carminha, personagem da novela “Avenida
Brasil” que ficou conhecida por fazer o que era impossível para ser rica: trair
o marido, mentir, falsear, passar a perna nos outros, chamá-los de otários por
respeitarem as regras, roubar, matar, sequestrar... Ao fim e ao cabo ela se
utilizava da máxima propalada num portal de Floriano de que vale utilizar
qualquer meio para se atingir as finalidades, os objetivos que se pretende.
Eita, nós. Estamos bem de mídia, não é?
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