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quarta-feira, 17 de abril de 2013

CERTEZAS ARROGANTES.



Imagem da Internet. 


Neste texto desejo tratar, grosso modo, de algo que tem me incomodado nas relações estabelecidas a partir das redes sociais. Mais precisamente porque lá muita gente se encontra aquém, ou além,  do controle de sua racionalidade e de sua moralidade e expõe os seus demônios* de forma mais livre, visto que sozinhas não são vigiadas de perto pelos congêneres para reprimi-los. Se sentem mais soltas, mais livres.

Esse comportamento possibilitado pelo relacionamento “indireto” nas redes sociais já é objeto de estudo de cientistas. Desejo relatar como vejo esse acontecimento e como entendo essa faceta. Não postulo ‘a resposta’, mas apenas uma breve definição que deve ser alvo de crítica e refutação.
   
Com o surgimento do pensamento racional na Grécia Antiga pelos primeiros filósofos que também eram cientistas, ao modo do que se entendia a ciência na época, o caminho para as verdades fundamentadas estava criado. Antes, porém, o pensamento mítico era fundado nos desejos, vontades, verdades dos deuses da mitologia. Esses deuses eram possuidores de caraterísticas humanas. Foram antropomorfizados. Então, a inveja, o ódio, o ciúme, o castigo, a recompensa, a bondade dependia dos humores desses deuses quase humanos.

Consequentemente, já que tudo dependia das decisões divinas, a vida tinha, assim, dificuldades de ser projetada, objetivada, programada. Isto posto, não havia certeza dos acontecimentos das coisas e nem das ações humanas de modo que os levassem a objetivação e programação das ações.

Os pensadores que vieram a partir do final do século VII a. C. postularam uma nova interpretação e explicação da verdade. Procuraram “nas coisas mesmas”, e não no divino, o entendimento do funcionamento da natureza e das ações humanas. Assim desejavam estabelecer uma organização racional para tudo o que existia.

As verdades foram, então, fundamentadas no estudo da natureza e das ações humanas. A chuva, portanto, deixou de ser um presente divino e passou a ser entendida como o modo próprio de ser e de funcionar da natureza. A verdade deixou de ter uma sustentação mítica, fantasiosa, encantada. Mas mesmo assim o divino, lá no fim das coisas, ainda era algo a fundamentar quase tudo, tanto em Platão quanto em Aristóteles, os pais da razão ocidental. E esse aspecto foi ocidentalizado a partir da Idade Média com as interpretações de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino feitas das obras de Platão e Aristóteles, respectivamente.

Com o cristianismo o fundamento das verdades voltou ao divino. Deus é a causa de todas as coisas, inclusive das verdades. A verdade está em Deus e Deus está “todo” Ele na bíblia. Conhecer é reconhecer as verdades divinas primeiro. Crer para entender. As verdades contém o fundamento inquestionável, Deus. Como Deus é imutável as verdades divinas, então, não mudam.

Quem parte desse ponto para explicar os costumes, os fatos, as verdades, as ações assumirá uma postura fundamentalista. E seu pensamento será sempre conservador, já que deseja fazer permanecer, conservar as verdades imutáveis. Para essa pessoa qualquer verdade que fuja do fundamento divino é uma heresia, uma mentira, uma impostura. As verdades já foram ditas. As verdades já são.
      
Com a Modernidade as coisas começaram a mudar e a Ciência passou a ser o fundamento das verdades da natureza e das ações humanas. Só que a Ciência aqui é o prenúncio do que a entendemos hoje.

Depois, no final do século XIX veio Nietzsche e disse que Deus tinha morrido. Até hoje ele paga pelos erros crassos de interpretação do que disse. Nietzsche não matou Deus como alguns fazem com outros humanos num assassinato. Mas é assim que afirmam religiosos fundamentalistas toscos. O que ele disse foi que acabou o tempo de verdades eternas e imutáveis para a vida altiva.

Nietzsche disse que a verdade não tem fundamento imutável. O que há é um desejo de muitos em tornar as verdades como sendo do âmbito do imutável. É um desejo, uma vontade. Portanto, é algo que se refere ao humano. É a mesquinhez e vingança contra esse mundo que se torna constantemente diferente daquilo o que está nas verdades fundamentadas no divino.

Essa busca pela conservação não nos leva à sobrevivência em sociedade, como seria de se esperar, mas à arrogância de querer que as verdades não se modifiquem para que não modifiquem a realidade. Mas com isso ele não concordou com a tentação da supremacia da verdade exclusivamente imposta pelo racionalismo.

A verdade é uma forma de descrevermos os fatos a partir dos dados disponíveis que temos em mãos para fazê-lo. A verdade é construída por nós a partir da vontade de poder afirmativa que nos leva à vida. A vontade de poder negativa é o desejo de fugir à dureza da vida, disse Nietzsche. Essa dureza, no que trato aqui, indica como sendo as mudanças de comportamento, de costumes, de valores, de normas, de regras.
   
Sendo a verdade uma descrição, então, a verdade de hoje pode não ser mais a de amanhã, pois novos elementos podem nos levar a acrescentar caraterísticas novas à descrição anterior. E isso é duro para quem é conservador, fundamentalista.

Deixo Nietzsche por aqui e sigo rumo ao final do texto.

O que necessito como segurança para agir e transformar a realidade é histórico. A explicação é científica, mas a validade é temporal.

Como posso fazer para explicar historicamente os fatos e mesmo assim ter certeza de que posso agir objetivando, planejando o que pretendo fazer no futuro? Essa projeção baseada nas verdades de hoje me permitem planejar as ações no futuro. Mas não há garantia de que as bases de funcionamento da realidade serão as mesmas. Todavia me faz perceber que serão outras e mesmo assim elas possibilitarão a ação planejada porque serão também racionais. Em outras bases, é claro.

A explicação para isso é que as verdades atuais são definições que fazemos hoje com o conhecimento que somos capazes, hoje. Amanhã, se essas definições não forem mais suficientes, não derem mais conta da realidade e nem nos servirem mais, então, criaremos novas definições. Definições com novos elementos, como já disse.

Até o início da década de 1930 as mulheres não tinham direito ao voto. Um dos argumentos mais utilizados era que as mulheres não eram preparadas racionalmente para escolher legisladores. Mulheres divorciadas eram igualadas a prostitutas até poucas décadas atrás. Uma mulher só poderia trabalhar fora de casa se o marido autorizasse. A virgindade era um pré-requisito fundamental para o namoro, noivado e casamento até os anos de 1970. Todas essas verdades tinham fundamentos imutáveis. “Desde que o mundo é mundo que isso é verdade”.

No entanto as minorias sempre avançam e conquistam seus espaços, estabelecem seus costumes, hábitos, preferências, construindo novas definições, novas verdades.

São sempre as minorias porque as maiorias (sociologicamente falando) tendem a conseguir e conservar seus valores, comportamentos, direitos, garantias... Então as minorias têm de lutar e buscar conquistar, como estão fazendo. 
    
Quem afirma verdades fundamentalistas é um arrogante, declarou o rabino Abraham Skorka. Essa arrogância impede o diálogo. Impede que se siga um caminho para o mútuo respeito. O arrogante não permite que o outro tenha uma descrição divergente da sua. Ele quer que o outro assuma as verdades fundamentadas no divino como uma definição inquestionável sobre o tema que estiverem tratando.

Nas redes sociais está se travando uma guerra de arrogâncias insuportável. Religiosos que arrogantemente não respeitam os outros aparecem para destratar, xingar, subestimar, demonizar os divergentes. Não estranharei que em breve travem uma guerra física nas ruas. Pois o ódio demonstrado por alguns religiosos nas redes sociais está preste a ser transformado em agressão física. E não é exagero. Falta oportunidade.

Como vemos em outras dimensões, que não a da religião, como em algumas torcidas organizadas de futebol, pessoas alimentam ódio entre os grupos nas redes sociais e depois marcam um lugar para a agressão física com a finalidade de matar os divergentes. Estamos próximos disso. E não estou sendo exagerado, não. Até um pastor agiu de forma irracional e irresponsável em confronto com outras opiniões na minha página no Facebook.
   
Recebo constantemente pedidos de amizade de pessoas religiosas, tanto católicos quanto evangélicos para ingressarem na minha página na rede social. Uns que conheço superficialmente, aceito. Outros de quem nunca ouvi falar, rejeito. Um desses que aceitei chegou aparentemente sério, mas demorou pouco para mostrar seus demônios interiores.
  
Assumi a minha atitude costumeira nesses casos e bloqueei o elemento. E ainda disse para ele ir vociferar as idiotices lá no púlpito dele. Não entendo o motivo de tantos religiosos desejarem ingressar em minha página. Logo eu que sou um agnóstico declarado. Talvez eles utilizassem melhor o tempo indo atrás de quem precisa de ajuda espiritual.

Detesto o assédio espiritual. Eu não digo para ninguém deixar de acreditar ou começar a acreditar nas coisas divinas. Mas também não aceito que venham a mim com esses discursos tolos de religiosos mal formados. Ainda mais quando não aprenderam ainda a diferença entre verdades fundamentalistas e verdades históricas. A arrogância parece ser o fundamento e não as verdades divinas.
    
Saímos da Antiguidade e chegamos até aqui sempre em busca de verdades. Elas são necessárias, mas a forma como as definimos pode nos tornar pessoas arrogantes, ou do lado oposto, pessoas capazes de seguir adiante junto com o tempo na perspectiva de sempre se atualizar com as novas verdades e com os novos comportamentos.

Sou um não-conservador. Sigo em frente junto ao meu tempo. Talvez esteja aí o motivo de tantos desejarem me rastrear, me acompanhar. Esses são incapazes de se atualizarem com os novos tempos porque estão presos ao passado e desejam conservá-lo já que as suas verdades arrogantes não se modificam nunca. São sempre as mesmas.

Mas o mundo real não é assim. “Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo", disse Heráclito de Éfeso.  “Tudo muda o tempo todo no mundo”, ratificam Lulu Santos e Nelson Mota**. E essas mudanças, como já disse, são levadas adiante por aqueles que estão em menor número e desejam garantir para si o mínimo de dignidade entre os humanos. São eles que também fazem as coisas avançarem. E isso é ultrajante para os fundamentalistas.

Pobres diabos. São como tartarugas que dão caronas a lesmas. Estão sempre presos ao passado e vivendo numa esquizofrenia insuportável. Ao mesmo tempo em que desejam de alguma forma certo nível de atualização (o desejo de possuir as coisas modernas) se debatem interiormente com as ordens conservadoras. E essa esquizofrenia se reproduz no comportamento agressivo e irresponsável porque o outro se mostra sem controles conservadores fundamentalistas e vive de forma livre.
 
Do outro lado eu sigo sempre nesse processo histórico e rico das novas e constantes definições das verdades. 



* Demônios são ficções morais quando a palavra ‘demônio’ é usada no sentido estrito religioso. Mas também tem o sentido de marcar a constituição humana como possuidora de instintos. Nossos instintos são demônios. São vistos assim por causa da moral vigente e do predomínio da ideologia racionalista. Tudo o que a moral condena é demônio. Tudo o que não se deve fazer segundo a moral tradicional e conservadora é coisa do demônio. E quando isso está dentro do sujeito, então se chama demônios interiores.

** Busquei Lulu Santos e Nelson Mota como forma de mostrar algo coloquial mesmo. 

P. S.: Verdades racionais e verdades religiosas são por princípio opostas. Isso ficou claro nos mil anos de supremacia do cristianismo na Europa na Idade Média após longas e extenuantes discussões. Até hoje tentam a conciliação, mas enquanto os princípios de cada uma (a razão ocidental, científica e filosófica é a base das verdades racionais, a fé é a base das verdades religiosas) forem antagônicos teremos essas idiossincrasias.

  
  

Um comentário:

Anônimo disse...

Bloqueou o elemento. Nota 10.