“A doçura do incluído é a crueldade do excluído”, segundo
MICHEL MORINEAU. E seguindo por aí, alguém que deseja pertencer a um grupo, ser
reconhecido, aceito, respeitado reflete um comportamento ansioso e uma busca
incessante pelo “doce néctar do pertencimento”. Porém o mais importante, ainda
segundo ele, é ter uma identidade social endossada pelo grupo. Le grandfinale é a tarefa inarredável de
fazer tudo para ser incluído.
Eu disse isso aí acima para contar mais uma história de minha
cidade fictícia administrada eternamente pelo obviamente fictício prefeito
BRANDO. Esta nova história está banhada pelo mais verde e repugnante líquido da
bílis de BRANDO. Ele é um ressentido. O construí assim para torná-lo um
impecável representante daqueles que fazem de tudo para tornarem-se aquilo que
não são, mas que desejam soberbamente ser, sem poder.
Nem no mais
incrível romance da terra deMICHEL MORINEAU poderíamos encontrar um personagem
de tão baixa índole moral. Mesmo assim tudo parece tão simples e banal que
chego a duvidar, quando termino de escrever, que as histórias de Ana Flores
sejam algo próximo do real.
BRANDO, meu canalha ideal, é um analfabeto funcional. É
aquele sujeito que sabe ler sofregamente, escrever o nome de forma desajeitada
e conhece as operações matemáticas básicas de modo en passant. Ele é incapaz de entender um texto simples. Um texto de
metáforas, então, é demais para ele.
Ah, aqui abro um parêntese para falar de um novo personagem
que acabei de criar e que irá fazer dupla com BRANDO. É um rábula que faz às
vezes de advogado. É tão analfabeto funcional quanto seu ícone político. Mas
depois escrevo uma história em que os dois tropeçaram feio numa metáfora de
cachorro. Posto que esses dois são do tipo de analfabetos funcionais que são
capazes de cair para distrair a atenção dos passantes para que não percebam
seus crimes.
Desta vez BRANDO surpreendeu pela sua enorme incapacidade de
se ver bem como ele é realmente. Meu canalha ideal é um excluído social e
intelectual. O grupo social a que pertence não aceita os seus mais variados
crimes praticados em busca de experimentar o “doce néctar do pertencimento”.
Ele vem agindo assim ao longo de sua vida pública, sempre cometendo os mais
variados crimes. Não é por outro motivo que o considero meu canalha ideal.
BRANDO se sente muito só. Morre de inveja daquelas pessoas
que se esforçaram para sair do limbo da crueldade e alcançaram seus status
sociais através da competência e persistência. Ele não! Ele sempre preferiu a
via do atalho. Ele abomina os caminhos da vida que sempre são íngremes. BRANDO
é um preguiçoso.
Nunca gostou de estudar. Nunca. Nem cedo, nem tarde. Fez
matrícula num curso de uma universidade para poder se sentir pertencente ao
meio apesar de ser um relaxado contumaz. O resultado é que abandonou o curso
porque pensou em colocar nas costas dos colegas todo o trabalho acadêmico que
teria de realizar sozinho. Não deu certo. Os colegas não o aceitaram. E mais
uma vez BRANDO foi para o limbo do analfabetismo funcional.
O tempo passou e BRANDO agora resolveu parar de sorver o
gosto da crueldade dos excluídos. Pela força do dinheiro que vampirou na
prefeitura de Ana Flores resolveu dar o troco àqueles que sempre o viram como
um criminoso cínico e quase analfabeto. O que BRANDO fez?
É, agora, dono de uma faculdade. É isso mesmo. Um analfabeto
funcional é dono de uma faculdade. Com isso ele quis mostrar pela força do
dinheiro que agora seria aceito pela sociedade como um de seus mais eminentes
membros.
BRANDO agora vai se dá o grau e deixar o fel dos excluídos na
boca daqueles que, iguais a ele, não tiveram a oportunidade de roubar tanto
dinheiro. Para ele, a doçura da inclusão é mais importante do que qualquer
forma de procedimento estipulado pelo grupo que almeja pertencer como o
correto. BRANDO vai se formar na marra. Vai ser bacharel, ele deseja ser um
rábula.
Sempre quis ser um rábula igual a um de seus mais íntimos
amigos e que depois colocarei os dois juntos aqui. BRANDO, na posição de dono
de faculdade, será o responsável pela colação de grau de seus alunos. Até aí
tudo seria banal se não fosse um detalhe cruel. BRANDO é um analfabeto
funcional.
Agora, dá para imaginar um analfabeto funcional vestindo uma
toga para colar grau de alunos universitários? Só mesmo em Ana Flores. Só mesmo
na minha cidade fictícia. Só mesmo BRANDO para protagonizar tal absurdo. Só
mesmo um corrupto cínico igual a ele poderia pegar esse atalho para buscar
beber o doce néctar da inclusão social e intelectual.
Mas isto não é o mais absurdo. BRANDO já prometeu a todos os
familiares e amigos um diploma universitário. E de graça.
E para aqueles menos íntimos, aqueles que não fazem parte do
seu métier de alcova serão oferecidos
cursos variados a preços módicos. E com garantia de diplomação sem necessidade
de comparecimento aos cursos e daqueles trabalhos acadêmicos chatos que exigem
esforço e dedicação intelectual. Foi para isso que BRANDO se tornou dono de uma
faculdade. Para garantir a seus pares preguiçosos o atalho que ele jura ser o
melhor rumo ao mundo doce dos incluídos, mas sem nenhum esforço.
Esse é meu canalha ideal, favorito.
P. S.: Na minha cidade fictícia, Ana Flores, todos os
personagens, história e as situações por eles protagonizadas são meras criações
fictícias e qualquer relação existencial com alguma cidade verdadeira ou
personagens reais terá sido mera coincidência.