Viúva tosquiando um laranja. (Imagem da Internet).
Minha cidade fictícia favorita, Ana Flores, é pródiga em
narrativas políticas. As histórias de lá são do arco da velha e, por isso, todos
os personagens e as situações por eles protagonizadas são meras criações
fictícias e qualquer relação existencial com alguma cidade verdadeira ou
personagens reais terá sido mera coincidência. Veja mais uma.
Em Ana Flores há um prefeito, como em toda cidade comum,
chamado BRANDO. Ele é parvo, avarento e violento e tem um apelido, "kléptein".
Para psicologicamente suplantar a característica da parvoíce contrata capangas
para fazerem seus mandos autoritários e ilegais.
Certa vez ele mandou os capangas, todos armados com armas de
grosso calibre e agindo como bandoleiros, arrancarem um Judas de um poste
porque havia seu nome escrito nele. Uma singela e irônica homenagem dos
moradores do bairro. Mas esse fato já dá uma demonstração de sua índole
violenta e sanguinária.
Porém a história de hoje é mais complexa porque envolve um
pouco de abstração. Não sei como ele conseguiu protagonizar visto ser um parvo
de primeira linha, de alto coturno. A história envolve um laranja que é o tipo
que faz as coisas ilegais por ele. Os bandoleiros fazem as autoritárias e
violentas.
BRANDO, ou Kléptein, chamou uma pessoa para ser seu laranja
numa empresa que revende e aluga carros. O acordo foi fechado verbalmente entre
as partes e o laranja formalizou a empresa. Cada um seria dono de metade da
laranja, quer dizer, da empresa.
Mas o laranja morreu num acidente. Essa possibilidade não
tinha sido aventada entre as partes, é claro, pois ambos são de meia idade.
Sabendo da notícia BRANDO começou a comentar entre amigos íntimos, muito
íntimos, sobre a viabilidade de enviar um mensageiro para falar en passant sobre a sociedade de ambos
com a viúva do laranja.
Todos foram contra a proposta e a melhor solução seria ele
mesmo, Kléptein, ir diretamente falar com a viúva.
Certo que teria uma recepção calorosa visto serem amigos,
pois era evidente para a viúva que o laranja sozinho nunca poderia ter aberto
tal negócio, BRANDO chegou contrito. Então um sócio oculto haveria de ter para
por racionalidade em tão repentino sucesso comercial. E eis que ele apresenta
seus pêsames e começa uma conversa de cerca Lourenço. A viúva se fazendo de
desentendida pediu que ele fosse direto ao ponto, já que estava aflita com a
situação.
BRANDO foi explícito: “Quero minha parte do negócio”. A viúva
que de boba não tem nada exclamou: “Você tá pensando que sou burra. Esse
negócio é do meu marido, então, agora é meu. Onde estão os documentos que lhe
garantam legalmente parte da sociedade?”
BRANDO ficou com cara de parvo perante a reação inesperada da
viúva. Mas a expressão de parvoíce estava além da cara de costume, estava parvo
ao quadrado. Não acreditava no que estava ouvindo. “Teria coragem essa mulher
de passar a perna no trouxa aqui?”, se indagou Kléptein.
Entretanto ele insistiu nos termos da conversa e tentou falar
asperamente impostando um tom de voz que lhe é estranho devido a característica
da parvoíce. Apesar disso a viúva encerrou a conversa dizendo que BRANDO fosse
à Justiça procurar seus direitos já que se achava prejudicado com a atitude
inesperada dela.
Ele saiu de lá com a cara no chão contabilizando mais um
prejuízo em sua vitoriosa carreira de cleptomaníaco, pois em outra
circunstância havia sido traído por um ex-motorista que lhe surrupiou cerca de
200 mil dinheiros de Ana Flores que BRANDO havia esquecido no banco de trás do
carro.
Triste para ele, pois tanto dinheiro roubado e desperdiçado
assim sem poder ter o gostinho de usufrui-lo. A única oportunidade de ficar
rico na vida dele sendo prejudicada assim por uma viúva metida a esperta. Uma
vez que BRANDO não tem profissão conhecida e nunca trabalhou na vida.
Não podia ser. Aquilo não estava acontecendo. Era inacreditável
tamanha traição. Logo ele que sempre foi um afetado em todas as circunstâncias
com os amigos íntimos. O que deve fazer BRANDO? Enviar os bandoleiros para dar "um jeito" na viúva?
Todavia, levando a cabo essa ação sanguinolenta, a herança
ficaria com os filhos do laranja que são menores e seriam tutelados por
parentes. A coisa ficaria mais complicada ainda. E Kléptein não é dado a pensar
em coisas complicadas já que, não esqueçamos, é um parvo de primeira grandeza.
Poderia ir à delegacia e denunciar a viúva metida a esperta
por roubo. Mas como justificar tal sociedade? Como justificar a origem do
dinheiro? Como explicar os motivos que o levaram a não formalizar a sociedade?
É BRANDO, você é mesmo um parvo e vai morrer parvo. Apesar de
ser um autoritário sanguinolento cercado de bandoleiros.
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