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quarta-feira, 22 de junho de 2011

SOCIEDADE DO CONSENSO.

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Este texto é dedicado à amiga RAQUEL ARAÚJO, Psicóloga residente nos EUA, que sempre me socorre e orienta.


Sou contra o bullying se se entende por isso a agressividade física e/ou psicológica direta através de palavras ou atos físicos ocorridos no interior da escola e praticados por crianças e adolescentes de forma recorrente. Aliás, toda pessoa sensata tem a capacidade de antevê prováveis sequelas físicas e/ou psicológicas que podem se tornar irreversíveis se não forem tratados adequadamente e a tempo.
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Este texto tem a pretensão de abordar esse que é também um problema social a partir de um ponto de vista que entendo, no momento, ser um prolegômeno ao bullying. Qual é então?
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Precisa-se específica, coerente e concretamente definir o que é bullying. Já estão em tramitação alguns projetos de lei com o fito de criminalizar essa prática em âmbito federal. Alguns parlamentares já propuseram transformar o bullying em crime tipificado em lei e consequente penalidade.
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Uma pesquisa (*) rápida em sítios e revistas especializados em educação denota claramente que não há coerência entre as definições disponíveis do termo bullying. Não há também entre as leis que já estão em vigor sobre o tema em algumas cidades e estados do Brasil algo que diga específica, coerente e concretamente o que é bullying.
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Definindo-se o que é, então se pode agir em vista da diminuição das ocorrências, pois as indefinições podem gerar incertezas. Alguns alunos já me perguntaram se isso e aquilo é bullying, e se falarem isso e aquilo também. Deve-se então evitar o retorno assombroso do fantasma do totalitarismo (ou isso é paranóia?).
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Com o mesmo propósito já andei perguntando a algumas pessoas de fora da escola se são contra o bullying. Todas disseram que são. Mas quando pergunto se elas sabem dizer precisamente o que é bullying citam um ou dois exemplos como resposta.
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Não perguntei a elas como é praticado, mas o que é. Ora, como se pode ser contra algo que não se sabe o que é precisamente? Desse modo, quando muitos não sabem o que é, outros podem aproveitar a situação para incluir indevidamente na extensão do significado tudo o que se quer condenar, por motivos variados e duvidosos, e que por definição não poderia fazer parte do significado da palavra. - Olha a bandeja passando na frente do assombro totalitário.
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O terreno fértil está pronto e aberto a mentes propensas ao totalitarismo, ou paranóicas, para a caça às bruxas. Por conta disso podem-se propor duas perguntas: será preciso apenas acusar alguém de ter feito ou dito isso ou aquilo de forma agressiva e acrescentar que ocorreu um “trauma psicológico” para imputar-lhe um crime? Basta acusar um colega (em virtude da criminalização do bullying) de valentia para que ele seja submetido a julgamento? Muitos responderão que não.
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O especialista americano em Lógica WESLEY SALMON afirma que o significado das palavras tem dois aspectos básicos: a extensão e a compreensão. “A extensão de um vocábulo consiste na classe de todos os objetos a que ele corretamente se aplica” e “A compreensão consiste nas propriedades que um objeto precisa possuir a fim de estar na extensão do vocábulo”.
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Destarte, no que se refere ao tema aqui abordado, a extensão do significado da palavra bullying abrange todos os casos que explícita e concretamente podem dar significado a essa palavra. E a compreensão abrange as características que os casos têm de possuir e que verdadeiramente definem o que é bullying. A extensão se refere à classe (conjunto) dos atos e a compreensão às propriedades (características) dos atos determinados.
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Qualquer “brincadeira” pode ser incluída na extensão da palavra bullying? Qualquer “brincadeira” pode ser denunciada como bullying? Qualquer “brincadeira” possui as características contidas na definição de bullying?
Se não for definido verdadeira e concretamente o que é haverá sempre a possibilidade de se incluir no significado da palavra coisas que não são, ou deixar de fora coisas que são. De um e de outro modo erros absurdos podem causar danos irreparáveis a acusados inocentes.
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E se formos ao limite do campo das hipóteses projetando a fuga da palavra e seu significado impreciso, incoerente do domínio da escola para o cotidiano das pessoas? - Como é o que aparenta está ocorrendo hoje. Ao se criminalizar imprecisamente o bullying corre-se o risco de se transformar o país numa sociedade do consenso. Ou seja, ninguém poderá dizer ou fazer nada que contenha elementos de contradição com o pensamento ou prática de outrem sem correr o risco de ser apontado como praticante de bullying.
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Se o bullying for criminalizado como algo do campo das práticas que devem ser erradicadas das relações humanas sem se definir adequadamente o significado da palavra haverá o risco do engessamento das relações sociais e da transformação de todos em não-humanos. Ou em algo como não contendo aquilo que caracteriza os “bípedes sem penas” como humanos.
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Como bem me falou noutro dia (quando lhe expus essa abordagem do tema) o professor de Inglês M.Sc. LUIS FILIPE, “as crianças têm de aprender a se impor diante de intimidações e situações de risco”. Mesmo que sejam, as situações, em nível limitado, pois a vida requer biologicamente de cada um instrumentos de autodefesa, de autopreservação. Caso contrário terá de se criar leis contra toda espécie de risco - qualquer risco – para a integridade física ou moral de todos. As competições, numa sociedade assim, seriam eliminadas, pois os que não forem vencedores podem dizer-se traumatizados. Seria uma droga viver num mundo assim.
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Todos os humanos são seres às vezes provocadores, desatenciosos, incorretos, competitivos, tímidos, submissos, egoístas, manipuladores, evasivos, corajosos, medrosos, refratários ao diferente, indiferentes, gozadores... e para o bem das relações sociais deve-se continuamente corrigir os modos exagerados e inadequados dos “bípedes sem penas”. O ser humano crer que não deve permanecer indefinidamente como é, e por isso tem de refletir criteriosamente sobre o que quer realmente ser.
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Os humanos nunca serão perfeitos ou viverão num mundo utopicamente perfeito. Nunca haverá uma sociedade sem conflitos, ameaças, disputas, incorreções, egoísmos, pois no dia que “aquilo que somos coincidir com o que desejamos” morreremos de tédio. Uma vida tediosa, assim se configuraria a sociedade do consenso e consequentemente o fim do “bípede sem penas”. Um mundo descrito e redescrito conceitualmente de forma coerente – coerência no sentido defendido aqui – acabaria com as chances de uma sociedade do consenso.
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Se os humanos desejam continuamente ser melhores terão de ir sempre em busca de novos valores e novas práticas. Mas não parece ser essa a via que os elevará da condição em que se encontram para a que desejam.


(*) Clique AQUI, AQUI e AQUI.

P. S.: O nome do texto foi uma sugestão do professor M.Sc. LUIZ BONFIM - IFPI - Floriano que também leu e sugeriu alterações.

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