Aprofundar o conhecimento sobre os temas relevantes da atualidade é fundamental para podermos contribuir direta ou indiretamente nas discussões. Então, um tema que se liga inexoravelmente à discussão sobre os direitos dos homossexuais é a ascensão do número de evangélicos no nosso país e as consequências diretas na vida dos não-evangélicos das posturas “éticas” que muitos deles querem impor através até da burrice, como no caso da deputada na postagem anterior.
O texto abaixo é de autoria do Filósofo PAULO GHIRALDELLI JR. É muito difícil, tendo-se uma postura minimamente racional diante da realidade, não concordar com a maioria dos argumentos postos por ele. Aproveite.
"A RELIGIÃO NÃO É (MAIS) O ÓPIO DO POVO
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O Estado laico é aquele em que religião e negócios públicos estão completamente separados. É o caso da nossa República, criada em 1889. Todavia, é claro que eu sei que há os que dizem que o Brasil nunca foi laico, uma vez que a Igreja Católica, mesmo após o fim do Império, continuou bastante influente nos corredores palacianos. Eu tendo a relativizar tal situação. Digo que isso é apenas uma questão histórica, não um fato filosófico. Hoje em dia, outras igrejas já possuem força suficiente para mexer com a mentalidade popular de modo tão ou mais forte que o catolicismo. Assim, o que existe no Brasil é uma hegemonia cristã, não mais católica. E diante de outras democracias ocidentais que se anunciam laicas, podemos até considerar que não destoamos muito. Mas, de vez em quando, surgem fatos perturbadores.
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Chamo a atenção para o Rio de Janeiro. Aqui, o ensino religioso está na escola pública de uma maneira pouco alvissareira. Os professores são contratados não exclusivamente a partir do conhecimento que possuem de religião, mas segundo um requisito explícito de possuírem militância religiosa, fornecida por documentos de templos e afins. Isso sim é o fim do laicismo e, segundo o que entendo, inconstitucional.
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O mais grave dessa situação foi a justificativa pela qual tal regra se fez valer. Algumas autoridades cariocas disseram que a religião nas escolas deveria “voltar como um dos elementos de combate à violência”.
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O argumento é tolo e falso. Todos nós sabemos que religião nunca trouxe paz ao mundo. Ao contrário, onde há religiões tentando disputar terreno, principalmente terreno estatal – a escola pública é um deles – o que ocorre é o fim da paz. No mundo todo, a disputa religiosa é sinônima de violência. Mas, se é assim, porque há os que endossam tal atitude das autoridades cariocas que, enfim, fere o Estado laico? São todos mentirosos? Não! Há realmente os que endossam tal coisa exclusivamente por desinformação e falta de reflexão crítica mínima. Não percebem que isso fere o laicismo e que, se assim ocorre, nenhuma religião ganha, todas perdem.
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Caso nossa República deixe de ser laica, ainda que não oficialmente, mas por mecanismos de entrelinhas, o que teremos é a supremacia de um credo e, portanto, a exclusão de outros. Quem garante as religiões nas democracias liberais laicas e modernas não é a fé popular, como muitos pensam, mas exatamente as forças nutridas por intelectuais (não raro, ateus) que lutam pela liberdade religiosa da nação, garantindo isso através da neutralidade religiosa do Estado, ou seja, a criação e manutenção do Estado laico. Assim foi em vários países do Ocidente democrático. A República brasileira tornou-se laica segundo esse espírito.
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Essa liberdade, agora, está ameaçada. Ela é ameaçada não mais (só) pelos católicos que, enfim, ao longo desses anos todos, acomodaram-se mais ou menos ao laicismo. Mas por outras igrejas que se dizem cristãs. As igrejas cristãs não católicas, principalmente as chamadas “evangélicas”, cresceram no Brasil à margem da modernização da sociedade. Aliás, cresceram um pouco afastadas da cultura das elites. Então, nunca prestaram atenção na laicidade assim como nunca olharam com acuidade para as leis do país. Por sua vez, o Estado brasileiro, uma vez nas mãos das elites intelectuais de formação positivista ou católica, também nunca deu atenção aos “protestantes”. Tratava-se da “igreja dos pobres da periferia”. Mas, de duas décadas para cá, isso mudou. Os “evangélicos” cresceram em número e em representação. Além disso, algumas dessas igrejas se tornaram poderosíssimas tanto em relação à força política quanto em relação ao dinheiro que podem dispor. Eis que agora, em quase todo lugar que o laicismo é ameaçado, principalmente na escola, isso não ocorre mais só pela via da infiltração católica, mas pela infiltração “evangélica”. Diferente da católica, a atuação “evangélica” não pensa em desrespeitar a lei, simplesmente a desrespeita porque em geral não dá a mínima para ela. Sem lastro histórico e, enfim, desenvolvida não raro por pessoas de pouca instrução ou de educação duvidosa, a chamada “Igreja evangélica” não tem nenhum pudor de colocar seus fiéis em universidades e escolas, ambas públicas, acotovelando limites legais e tradicionais instituídos pelo laicismo de nossa República.
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Eis que, por conta disso, ressurge no Brasil alguns incômodos que há muito não tínhamos mais, algo que havia caído para o nosso folclore, que era a disputa entre professores laicos e estudantes religiosos e vice-versa, sendo que os religiosos, no caso, eram representados pela figura do padre. Agora, surge o incômodo religioso novamente, mas causado pelos “evangélicos”. Eles começam a criar problemas querendo mudar os horários das escolas, não querendo aprender as doutrinas científicas e sendo intolerantes quanto às posições liberais a favor de outras religiões (como o espiritismo ou a umbanda etc.). Fazem da vida da escola uma bagunça. Com uma diferença dos católicos de outrora: acham-se naturalmente corretos, pois desconhecem o significado da palavra “laico”. Acham que podem fazer o que estão fazendo, que o que estão fazendo é um “direito”!
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Estou afirmando aqui que os “evangélicos” são incultos e os católicos não? Afirmo que é isso, se pudermos comparar o católico de ontem com o “evangélico” de hoje. Isso porque o “evangélico” faz algo que, principalmente a partir dos anos sessenta, só o católico muito tosco se manteve fazendo, a saber, a leitura da Bíblia como um texto que antes de ser moral e normativo é uma descrição da “realidade como ela é”.
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Os religiosos cultos acreditam que os textos que lhe são sagrados foram escritos pelos homens, inspirados pelas divindades, com o objetivo de dar valores e normas para o seu povo. Os não religiosos cultos acreditam quase na mesma coisa, pois diferem dos religiosos apenas pelo detalhe que acreditam que os textos ditos sagrados foram escritos pelos homens de boa visão somente. Metaforicamente, estes últimos até podem dizer que tais homens tiveram tanta sabedoria que ela pode ser chamada de divina. Por pensarem assim, religiosos cultos e não religiosos cultos sempre puderam conviver. Ora, não é essa a nova ordem instaurada pela presença dos “evangélicos” na escola pública.
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Como os padres brigões do passado ou como alguns padres gerados na incultura dos seminários de hoje em dia, os “evangélicos” querem ler a Bíblia (isso quando conseguem realmente ler, pois no Brasil a questão educacional vai de mal a pior) tomando as passagens de modo literal. Por incrível que pareça, não percebem que de modo literal o texto é imbecil e, portanto, não poderia ter conquistado ninguém. Nenhuma pessoa normal poderia achar que a descrição de Adão e Eva como fundadores da humanidade não é uma história normativa, que fala de autocontrole e que busca mostrar que isso é algo desejável. Trata-se evidentemente de uma estória moral, que ensina a importância do autocontrole. Não é a descrição da origem da humanidade, pois, se assim fosse, teria instaurado o incesto ou coisa até pior (Eva teve dois filhos homens!). E o incesto é o nosso maior tabu. Isso é simples de explicar para alguém que possui uma mente normal. Mas, quando a mente da pessoa é não só desinformada, mas também um caos devido a nunca ter sido minimamente treinada em processos lógicos, a Bíblia pode ser lida literalmente. Ora, uma pessoa nessas condições mentais não poderia nunca estar na escola média e muito menos superior. Mas ela está. E por estar nesse nível de caos mental, não entende não só sua própria religião, mas não compreende nem mesmo as próprias leis da República e não sabe o que é o laicismo. Uma vez na escola pública, cria confusões bem maiores do que as causadas pela presença dos católicos fervorosos no passado. São pessoas que estão aquém do comportamento escolar normal e estão aquém de conseguirem entender os textos científicos, históricos, filosóficos e literários que circulam no ensino médio e no ensino superior.
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É com esse tipo de barbárie que a escola pública lida hoje em dia. E se isso ainda é reafirmado pela entrada oficial do ensino de religião na escola, e não pelo ensino de história e filosofia da religião, então é o caso de ficarmos com saudades do tempo que escutávamos falar que a religião era o ópio do povo. Naquela época, achávamos que a religião poderia causar um amortecimento da mente como o ópio fazia com o cérebro. Foi uma época em que quem tinha mente, sabíamos, tinha cérebro."
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© 2011 PAULO GHIRALDELLI JR, filósofo, escritor e professor da UFRRJ.
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19/06/2011
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2 comentários:
Lá vem você com o texto desse senhor que defende abertamente a pedofilia.
Olá "Anônimo".
Eu admiro as mentes fundamentalistas religiosas. Mas uma admiração sarcástica, pois uns chegam aqui e dizem que Jesus me ama. Outros dizem coisas feias (e por isso não publico). Outros não sabem exatamnte o que dizer. Outros se mostram apenas exasperados. Que confusão por uma coisa tão simples: é só não ler o que escrevo. Eu não vou à igreja de vocês dizer que estão errados, ou coisa assim.
Um abraço.
Jair Feitosa.
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