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sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O QUE VI ATRÁS DO DISCURSO.

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Há um debate posto na mídia que pretende expressar o desejo e a opinião de todos nós. Da maneira como é colocado diariamente parece que está certo. De qualquer modo tem lá alguma razão. Mas diante de tanta insistência por parte da mídia e da falta de resposta enfática por parte da população, me perguntei por que será que esse debate não se consolida de vez e se transforma em senso comum.
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O debate é: Redução dos impostos. Todo dia surgem reportagens com articulistas apregoando que a carga tributária no Brasil é a mais alta do mundo e que isto leva à fuga de investimentos estrangeiros, diminuição do número de empregos, diminuição de investimentos... Sempre apenas uma versão do fato é mostrada, inclusive com a imagem irrefutável da quantia que é arrecadada anualmente pelo Governo através de impostos: o “impostômetro”.
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Aqui me coloco como um leigo nesse campo, mas um leigo que inconformado com essa pregação quase odiosa à cobrança de impostos se pôs a perguntar por que tantos ricos manifestam essa posição contrária à carga tributária. O que querem mesmo eles? Apenas dizer que pagamos imposto demais? Ou tem alguma coisa subliminar nessa história?
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Meu olhar (meio torto, é claro) deu a volta e foi olhar por trás, porque inconformado de olhar apenas pelo ângulo frontal da TV. E o que vi? Bem, não sei se isto está correto, pois acabei de ler uma pequena entrevista na Rede Nacional de Contabilidade com O contador e advogado ROBINSON DE CASTRO E SILVA que defende a diminuição da carga tributária, e em seguida comecei a escrever o que você está lendo agora.
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Meu raciocínio é o seguinte: a doutrina neoliberal defende, como um de seus pilares fundamentais, a diminuição da área de atuação do estado. As atividades de busca de saciamento das necessidades humanas devem ser geridas primariamente pelo mercado. Desse modo o estado deve ser mínimo, deve atuar apenas em área que não interessam ao mercado. Parece óbvio e correto, não é?
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O estado para atuar no exercício das atividades que lhe são inescapáveis deve ser provido de verbas para financiar as atividades. Essa provisão só pode vir dos impostos cobrados de toda a população. Então, com imposto há atividades de estado, sem dinheiro acabam as atividades ou são severamente enfraquecidas. Ora, só porque o estado se abstiver de oferecer tais serviços eles não deixarão de ser exigidos pela sociedade. Assim o mercado o oferecerá ao custo da sanha da relação oferta e procura.
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Num país ainda pobre como o Brasil as pessoas na têm como prover as necessidades básicas. Estamos iniciando um processo de construção das capacidades para buscarmos tudo o que necessitamos para viver dignamente. Mas as pessoas ainda precisam ser providas pelo estado, pois sem ele só resta a exclusão, o limbo.
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Um estado pobre não tem como oferecer serviços de qualidade. Um estado que não possua uma estrutura financeira razoável para pagar dignamente seus funcionários não oferecerá serviço em quantidade e qualidade esperados. E se o dinheiro dos impostos ficar no bolso das pessoas para elas poderem escolher onde e que tipo de serviço necessitam?
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O brasileiro paga 36,08% de seus rendimentos em impostos. Se esse dinheiro todo ficar no bolso do brasileiro dará para ter as suas necessidades resolvidas na sua relação apenas com o tal mercado? Escola, médico, dentista, água, luz, compras, condução... tudo pode ser dignamente resolvido sem necessidade de recorrer ao estado?
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No meu ponto de vista estado mínimo só funciona em sociedades que já resolveram as questões básicas de garantias de vida digna. Só onde emprego/renda são instituições plenamente estabelecidas e estendidas a todos, e não privilégio de alguns, é que este sistema poderia funcionar. Apelar para estado mínimo numa sociedade onde a maioria é pobre/remediada é jogá-la às garras afiadas e ensandecidas das relações procura/oferta.
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Defender a diminuição dos impostos é defender, mesmo que colateralmente/inconscientemente, a redução da quantidade e qualidade dos serviços públicos. A quem interessa esse discurso? Aos pobres e remediados? No entanto, pobres e remediados estão assimilando esse discurso. Com o dinheiro dos impostos no bolso não dá para ter uma vida minimamente digna. Com o salário que é possível pagar no momento o trabalhador não tem como suprir todas as necessidades per si.
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Quando dei a volta e fui olhar o que há do outro lado do discurso que aparece na TV contra os impostos vi essa outra face que não é mostrada propositadamente. Pagar menos impostos só interessa a uns poucos privilegiados que têm como resolver as suas necessidades sem ajuda do estado. E na busca de acumular mais ainda riqueza querem tirar dos pobres e remediados o direito de ter as suas resolvidas pelo estado, pois ao defenderem o empobrecimento do estado estão protegendo os seus privilégios.
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E os pobres e remediados não entendem essa característica da ideologia neoliberal de universalizar aquilo que diz respeito apenas a ela como se fosse um desejo e interesse de todos. Esse discurso tem dono, e nós outros não devemos assumi-lo, porque o nosso discurso, além de ser outro, não possui os mesmos pressupostos e objetivos desse que está posto pela mídia.
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No Brasil não se paga tanto mais imposto do que no mundo, não. O que necessitamos é ter consciência de nossos direitos e deveres de cidadãos e procurarmos meios efetivos e democráticos para uma prestação de serviços à altura de nossos desejos e necessidades. Proponho que o primeiro passo seja elegermos governantes que apresentem políticas que concretamente venham de encontro ao que precisamos. Segundo que tenhamos a consciência de cobrarmos por essas políticas de forma acerba, pois o dinheiro é de todos. O estado tem apenas o poder de gerenciá-lo.

Píses ricos, principalmente da Europa, possuem o modelo de Estado de bem-estar social que garante serviços públicos e o bem estar da população protegendo-a. Aqui querem passar por cima dessa etapa necessária para o jogo bruto das relações oferta/procura. Não dá, principalmente se votarmos em políticos que defendam a política do Welfare State. Precisamos garantir as estruturas mínimas de estado para entrar numa economia puramente neoliberal (se for isso que desejarmos).

Isto foi o que consegui ver (com esse meu olhar torto) por trás do discurso unidimensional que aparece diariamente na TV a respeito desse assunto.

Os dados do gráfico que inicia esta postagem consta das informações publicadas pela OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

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