Luiz
Gonzaga Belluzzo, economista e advogado. Foto capturada na Internet.
Um esclarecimento sobre a conduta de alguns agentes da lei que muitos acreditam ser o caminho para levar o país à noção diluviana que prega o seguinte argumento: "Depois disto ou daquilo, nada será como antes". O ponto de vista que se segue é respaldado numa das melhores análises que já li sobre o assunto.
Concorde ou não com as proposições do autor, mas há de se perguntar: "Será que é seguindo esse caminho que todos desejarão serem julgados com os mesmo princípios, métodos e finalidades postos pelos agentes nessa 'operação'?".
A ver.
Boa leitura.
"A
PROPOSTA DE MORO
A punição com desrespeito
à lei e às instâncias de recurso garantidoras da presunção de inocência é tão
grave quanto a impunidade
Por Luiz Gonzaga Belluzzo
— publicado 05/04/2015
Em artigo publicado nos
jornais O Estado de S. Paulo e O Globo, o magistrado da moda, Sergio Moro, e o
presidente da Associação de Juízes Federais defenderam a necessidade de mandar
às enxovias os réus condenados em primeira instância. É o mais recente episódio
da novela “A Derrocada das Instituições”.
Não é de hoje que fenece o
desassombro dos intérpretes da lei, acovardados diante da ferocidade dos
homens-massa que pretendem resolver os conflitos com o exercício puro e simples
das próprias razões. Nas complexas sociedades modernas, a punição executada ao
arrepio da lei e com desrespeito às incontornáveis instâncias de recurso
garantidoras da presunção de inocência é tão grave e devastadora quanto a
impunidade.
Nada pode ser mais trágico
para uma sociedade enredada na malha das relações mercantis e da diversidade de
interesses do que a invasão da vingança particularista na prestação da justiça.
No Brasil, essa forma deformada da aplicação da norma abstrata e impessoal
denuncia a capitulação dos órgãos encarregados de vigiar e punir aos ditames da
sociedade-espetáculo. Os brasileiros de todas as classes assistem – uns
embevecidos, outros atônitos – ao espetáculo da Justiça ou às façanhas da
Justiça-Espetáculo.
O protagonismo judiciário
em exibição nos palcos brasileiros desmente a tese de Michel Foucault exposta
no livro Vigiar e Punir. Ao examinar a execução das penas entre os fins do
século XVIII e os inícios do século XIX, Foucault desvenda a passagem do
suplício público para “um jogo de dores mais sutis, mais despojado de seu
fausto visível”. Em poucas décadas, diz Foucault, “desapareceu o corpo
supliciado, esquartejado, amputado, simbolicamente marcado no rosto ou nos
ombros, exposto vivo ou morto, apresentado como espetáculo. Desapareceu o corpo
como alvo principal da repressão penal... A sombria festa punitiva começa a
extinguir-se”.
A contaminação do aparelho
judiciário tem avançado sem qualquer reação dos que percebem o fenômeno e o
abominam, mas que preferem se recolher diante da contundência e da ousadia dos
que buscam substituir a “disciplina” prisional pelos festivais de exibição
midiática, encenados em um ambiente social entregue às farândolas do Pouco Pão
e Muito Circo
Não há limites à ação
pessoal e atrabiliária de autoridades atraídas pelos frêmitos e cintilações da
“sociedade do espetáculo”, o brilhareco de 15 minutos de fama. São exemplos
impecáveis de como os deveres republicanos se dissolvem diante dos esgares
incontroláveis da subserviência ao exibicionismo das telas e das manchetes,
coadjuvada pelo corporativismo mais escancarado.
As relações promíscuas
entre as autoridades judiciais e a mídia colocam os cidadãos brasileiros diante
da pior das incertezas: a absoluta imprecisão dos limites da legalidade. As
garantias da publicidade do procedimento legal são, na verdade, uma defesa do
cidadão acusado – e ainda inocente – contra os arcanos do poder, sobretudo das
predações do poder não eleito. Pois essas conquistas da modernidade, das quais
não se pode abrir mão, vêm sendo pisoteadas por quem deveria defendê-las.
Ocultam à sociedade, em cujo nome dizem agir, a dedicação com que laboram para
tecer a corda em que enforcarão as garantias individuais. É comum e corriqueira
entre nós a transformação das prerrogativas funcionais em privilégios
individuais e pessoais.
É a velha arrogância
oligárquica nutrida por uma certeza: são todos da mesma turma, aquela que manda
e desmanda. Há um trânsito contínuo de pessoas e de influência entre as esferas
do poder: o big business, a grande política, as burocracias públicas e as
corporações do mass media; e, muito mais que isso, há a formação de uma cultura
comum.
Ao concluir, recordo, mais
uma vez, as palavras de um magistrado de outros tempos proferidas em seu
discurso de aposentadoria. “Preferi a tranquilidade do silêncio ao ruído das
propagandas falazes; não suportei afetações; as cortesias rasteiras, sinuosas e
insinuantes, jamais encontraram agasalho em mim; em lugar algum pretendi
subjugar, mas ninguém me viu acorrentado a submissões; dentro de uma humildade
que ganhei no berço, abominei a egomania e a idolatria; não me convenceram as
aparências, e para as minhas convicções busquei sempre os escaninhos.
Particularizando, no exercício das minhas funções de magistrado diuturnamente,
dei o máximo dos meus esforços para bem desempenhá-las e, ainda que em meio de
uma atmosfera serena e compreensiva, em nenhum momento transigi com a nobreza
do cargo; escapei de juízos temerários, tomando cautelas para desembaraçar-me
das influências e preferências determinantes de uma decisão; e, se alguma vez,
inadvertidamente, pequei contra a lei, vai-me a certeza de que o fiz para distribuir
bondade e benevolência.”"
Você pode ler o texto direto na fonte clicando AQUI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário