D. SOCORRO (03.03.1935 – 20.04.2012)
nos recebendo em frente de sua casa na entrada da cidade de Curralinhos, abraçada ao filho VALDO, o neto PÉRICLES, eu, minha filha SOFIA e minha esposa
LÍLIAN.
Para quem morreu e a morte não se constitui o fim da
existência, então, assim, fortemente crendo nisso, a jornada se prolongará em
outra dimensão. Uma dimensão da qual não fazemos parte, pelo menos enquanto
vivos. Mas que serve e que é muito útil para quem não deseja se confrontar com
a inevitabilidade da morte. Isto porque nunca desejou aprender a morrer.
Esse elemento religioso (aí acima) escalado pelos humanos para
se interpor e aliviar a angústia da consciência da morte complementa o estilo
de vida que se funda na eterna busca do prazer, da felicidade e, portanto,
dando à vida uma valorização inusitada. E assim a vida se torna algo
indispensável e profundamente desejável. Viver torna-se significado de prazer e
felicidade, mas não pelo simples ato de viver e sim pelo o que o viver pode
proporcionar.
Para a modernidade o prazer e a felicidade não devem se
relacionar com a consciência da morte. Pelo contrário, ela, a morte, é um dos
empecilhos.
Desse modo, a finalidade da vida nunca é morrer, mas vivê-la
do modo mais prazeroso e feliz possível. Mesmo que os níveis de prazer e
felicidade não sejam homogêneos entre os “bípedes sem penas”. Quer dizer, mesmo
que para alguns homens e mulheres o prazer e a felicidade residam em ter água para
beber e para outros ter um avião particular.
Para outros, aprender a morrer é o caminho mais adequado para
a vida legítima. Parece contraditório, mas essa seria a forma mais autêntica e
consagradora da existência. E viver assim significa “ter consciência do seu
lugar no mundo e do significado do mundo para si”. Encontrar essas respostas
significa entender a diferença entre ter medo de morrer e saber que vai morrer.
Ter consciência da morte não significa que necessariamente se
terá medo dela, mas essa consciência traz consigo uma “angústia”. Só que essa
“angústia” não é do tipo que enredará a pessoa em pavor ou depressão. Mas do
tipo que fará a pessoa, sabendo da brevidade de sua existência, tomar as rédeas
de sua vida em suas mãos. É o que fará a pessoa, todo dia, viver de modo que
ela mesma realize e plenifique a sua existência.
Ou seja, tomar a sua vida em suas mãos significa que não permitirá
que alguns “espertos” se apresentem como portadores das receitas infalíveis do
bem viver. Ou mesmo mergulhar no mar da mediocridade e encarar a vida como se o
ideal fosse pertencer a um rebanho homogêneo de valores, opções, ideais e
finalidades.
Ter consciência da brevidade da existência torna a
experiência da vida algo importantíssimo, urgente. Pois essa consciência
exigirá uma existência prazerosa e feliz, mas que buscados pelos caminhos mais
bem escolhidos e construídos de modo que, ao final, terá mesmo valido a pena
ter vivido.
É isso que quem tem pavor de lhe dar com a morte não percebe
e soterra a sua breve existência em superstição, insensatez, medo, incoerências.
Porque mesmo não desejando pensar e falar sobre o que inevitavelmente irá
acontecer age, contraditoriamente, como se viver fosse carregar um fardo pesado
que se leva para depois abandoná-lo no túmulo, sem nenhum sentido ou
significado. Pois o medo descabido ocupou indevidamente o lugar da consciência
que poderia ter dado sentido e encontrado prazer e felicidade no ato de viver.
D. SOCORRO faleceu hoje de madrugada. Eu diria que não foi
uma morte a seu tempo, apesar do tempo, mas, de alguma forma, precipitada por
circunstâncias inautênticas, forjadas e que em breve se elucidarão levando a
cabo as consequências legais e morais a seus autores e reprodutores.
Eu gostei muito dela e ela gostou de mim desde que nos
conhecemos quando fui a sua casa na cidade de Curralinhos. Conversamos muito
sobre as coisas que ela gostava de falar. A minha atenção a cativou e fez com
que ela sempre perguntasse por mim.
Mulher devotadamente religiosa não abria mão de fazer sua
peregrinação anual para o culto à Santa Cruz dos Milagres a quem atribuía
sistematicamente o sucesso de seus empreendimentos, da sua vida e da de seus
filhos. Com convicções fortes e ditas enfaticamente, D. SOCORRO, viúva, as
reafirmava pondo a frente os castigos que a Santa poderia providenciar caso
questionassem o que dizia. “Ê, D. SOCORRO.”
Viveu a vida que quis e cultivou. Foi feliz, religiosamente
feliz. E como disse W. JAMES “O sentimento religioso seria uma experiência
pessoal, indizível e intransferível [...], e proporcionaria alegria e otimismo,
por isso seria útil, o que o tornaria verdadeiro”.
Tudo o que eu disse antes é verdadeiro dentro do contexto
heideggeriano. Não quer dizer, então, que é a única compreensão que os “bípedes
sem penas” podem ter sobre a morte. D. SOCORRO tinha outra fundamentação para a
vida e, mesmo sem consciência disso, sobre a morte. Tendo sido feliz significa
que viveu bem e soube se preparar para a morte. E, agora, vai experienciar,
mesmo que a olhos religiosos, aquilo que passou a vida se preparando.
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