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Sempre que alguém se põe a questionar a capacidade de os seres humanos se tornarem diferentes e melhores do que foram e, assim, avaliar se a humanidade e seus valores e costumes passam mesmo por etapas evolutivas vem sempre em minha mente perguntas marotas que afinal termino não colocando para o interlocutor: será um simples cético em relação às teorias da história e do progresso? Será um adepto da teoria da descontinuidade histórica e da não progressividade? Terá ele uma visão fragmentária das realidades sociais? Será apenas um burro? (Burro é aquele que empaca, mesmo vendo o que é verdadeiro diante dele, e assim negando os seus conhecimentos explicitamente, renega-o e permanece empacado).
Em poucos dias sairá uma pesquisa que vem desmontar um mito altamente enganoso que diz que a humanidade está cada vez mais ligada à religião. A pesquisa, em linhas gerais, demonstra que quanto mais desenvolvido econômica, cultural, social e politicamente um país menor o número de crentes (clique AQUI). Fazendo a negatividade desse argumento podemos afirmar que quanto mais pobre uma sociedade maior o nível de crentes.
Dados estatísticos dão conta que o Brasil é um dos países mais religiosos do mundo (clique AQUI). Não precisarei ir longe para fazer uma relação entre o que dizem as pesquisas sobre religião e os condicionantes e determinantes de nosso estado. Mesmo assim uns irão me censurar* por fazer essa analogia, mesmo que os dados concretos estejam aí postos claramente para eles.
MAX WEBER (1864-1920) falou de “desencantamento do mundo” expressando com isso sua compreensão do momento histórico que o ocidente construiu pós Idade Média. Por esta época as explicações sobre as esferas sociais, políticas, econômicas eram dadas a partir de um manto religioso. A religião era o parâmetro para a compreensão e explicação de toda a realidade corpórea, material. Buscar na religião a definitiva resposta era o caminho para tornar a existência da igreja (qualquer uma) necessária. Ela era, então, necessária a existência humana, pois era através dela que se obtinha a cura para todos os males, as explicações dos fatos e a ligação do homem com Deus.
Não havia a explicação a partir de modelos teóricos criados pelo próprio homem para colocá-lo sobre a realidade, como um manto, e, então, buscar uma interpretação da realidade com o estabelecimento de uma relação entre fatos e modelos teóricos em busca de uma explicação. Para WEBER a modernidade rompe com a pré-modernidade quando deixa de lado a justaposição fornecida pelo manto da religião para pô-las (as dimensões sociais) separadas.
Então, a modernidade vem agir de modo diametralmente oposto ao do período pré-moderno. As explicações sobre a realidade se constroem a partir de uma relação direta com a realidade. E não mais a partir do sacro manto da religião o que costumou a criar na cabeça das pessoas um entendimento do mundo de acordo com as expectativas dos religiosos. O mundo era aquilo o que os religiosos diziam através de e com a religião. Havia, com isso, um nexo entre a realidade, a religião e a mente das pessoas. Um todo coerente e construtor de um mundo enfeitiçado, mágico, encantado.
Os modelos explicativos criados pelos homens se afastam e se tornam independentes tanto da religião quanto de uns em relação aos outros modelos. Desse jeito pode fazer sentir em alguns um estranhamento desse “novo” mundo enquanto “aquele” era coerente e satisfatório. Já o “novo” mundo, o mundo moderno, pode parecer desesperador posto que agora nós somos responsáveis por nós mesmos e nossas explicações, gerando aflições.
Nada mais de mistérios sobrenaturais e nem de milagres. Nada de coisas “fora das causas por nós conhecidas” (TOMÁS DE AQUINO). As causas da existência de tudo que compõe a realidade podem plenamente ser conhecidas por nossa razão, já enunciavam os filósofos modernos. Por isso tudo o que existe tem uma causa que pode ser compreendida e explicada racionalmente e sem necessidade de apelo ao sobrenatural, ao mundo mágico.
Assim quando um fenômeno não é plenamente compreendido e explicado podemos apontar para a falta de conhecimentos dos indivíduos envolvidos ou até mesmo para a deficiência do conhecimento científico que ainda não possui elementos teóricos capazes de dar conta completamente do fenômeno. Portanto, o que parece incompreensível só o é em determinado momento ou circunstância. Não há milagres no mundo desencantado dos modernos. Há apenas insuficiência teórica e científica.
Aí, as mentes que se apóiam inexplicavelmente na solução mágica, encantada dos problemas reais da existência moderna quando confrontadas com as explicações sistematizadas, lógicas, coerentes, racionais, demonstráveis de algo que elas não compreendem por falta de conhecimento e, assim, o chamam de mistério, dizem: ah, era só isso? Nesse momento, há um desencantamento, uma frustração por ter as suas expectativas supranaturais atingidas por um tiro de misericórdia.
Na maioria das vezes, mesmo confrontados com argumentos verdadeiros, comprovados e demonstrados, não arredam pé da expectativa supranatural. E para complicar a situação anunciam falsamente aos quatro cantos que o mundo tem se tornado cada vez mais crente. Ou o número de crentes tem aumentado. O que a pesquisa acima aludida vem mostrar é exatamente o contrário. O modo de ser dos modernos tem se transformado - entre aqueles que têm acesso ao conhecimento de qualidade, a um patamar econômico superior e a uma convivência saudável social e politicamente - num modo de ser cada vez mais influente e desejável.
Estamos, enfim, concretizando o ideal do mundo desencantado. Finalmente. Melhor seria, para manter parte do ideal de uns poucos renitentes, privatizarem a religião, seguindo assim o conselho de R. RORTY. Cada um no seu quarto cultuando privadamente o seu mundo encantado, a sua realidade mágica. Por que o cara tem de gritar (literalmente) que acredita nessa ou naquela entidade supranatural? Qual o sentido disso? Não confia na própria crença e por isso tem de afirmá-la todo dia não só para si, que é a quem interessa, mas para os outros? Ou são as entidades supranaturais é que não confiam nos crentes (todo aquele que crer no supranatural) e exigem a devoção diária espiritual?
Ah, quer saber, esse mundo mágico, encantado é maior que o meu manto de conhecimentos. Por isso vou deixar os pés dele de fora. Com isso quero dizer que ele não cabe no mundo dos modernos porque é enganosamente superdimensionado.
*Os censores são basicamente aqueles que justificam a religião como meio de frear os impulsos, as paixões, os instintos e com isso domesticar o homem como bem entendem os religiosos. Respondo que o homem deve ser racionalmente educado para lhe dá com seu “conatus” e desse jeito encontrar o melhor caminho para uma vida agradável e socialmente justa. Esse argumento de necessidade da religião como meio de “controlar” o homem já foi destituído de sentido no século XVIII por KANT. Pois, grosso modo, ele disse que somos nós mesmos que construímos a nossa moral e a partir dela devemos racionalmente agir. É um dever racional nosso agir virtuosamente e não uma imposição supranatural. No entanto, até hoje esse argumento falido vive vigorosamente sendo repetido como sendo o maior fundamento para a ação moral humana. As pessoas dizem: “Deus sem você é tudo. E você sem Deus é quem?” Gosto de responder modernamente: “Eu”.
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