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sexta-feira, 25 de setembro de 2015

NOVELA, DUELOS E HONRA.



Armandinho (Eduardo Dusek), Margot (Maria Casadevall) e Joaquim (Eduardo Melo), da esquerda para a direita. Foto divulgação.



NOVELA, DUELOS E HONRA.

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Na novela “I love Paraisópolis” há um trio de personagens que no dia 05/08/2015 protagonizou uma cena que para muitos pareceu banal, nonsense, ou mera brincadeira para entreter. Trata-se dos personagens Margot (Maria Casadevall), Armandinho Prado (Eduardo Dusek), Joaquim (Eduardo Melo) com a participação de Izabelita (Nicette Bruno).

Sentados num sofá na casa de Izabelita eles discutem como resolver o impasse que surgiu quando os dois se declararam apaixonados por Margot. Eis que Izabelita sugere, pautada num saudosismo antiquado, que os dois homens lutem como antigamente para conquistar o amor de Margot. A luta proposta deveria acontecer nos moldes dos antigos duelos. Os dois contendores deveriam escolher uma arma para decidirem qual deles teria a honra de ficar com a moça. Em resumo é isso que me fez citar a novela.

Durante 300 anos, na Inglaterra principalmente, os duelos foram utilizados como mecanismo de por à prova o direito à honra, ou de ser honrado, ou ainda de se sentir honrado. A honra sempre foi vivida por grupos sociais como elemento para atrair respeito e de ser respeitado nos grupos sociais. “Os duelos sempre foram ilegais” e “a igreja e a população em geral condenavam essa prática”, segundo nos informa o Filósofo anglo-ganês Kwame Appiah (1954).

Ainda segundo Appiah, “os duelistas deixavam claro em seus testamentos que estavam fazendo algo errado”, mas que não podiam fugir do combate mortal. Só a partir de 1850 é que os duelos passaram a ser ridicularizados e por isso, deixados de lado como forma de adquirir respeito perante o grupo. Appiah diz que foram necessários cerca de “20 anos, uma geração”, para que esse tipo de conduta “honrosa” fosse deixado de lado.

Mas temos de acrescentar um elemento importante nesse processo: Os duelos sempre tiveram atrelados a um momento de nossa história em que os valores valiam mais que a vida. Desse modo o sujeito não poderia nunca perder a sua honra, o seu respeito perante o grupo, como um covarde, e fazia isso pondo a vida em jogo. Morrer para defender um valor, a honra, era algo comum entre os que desejavam ter o respeito do grupo para, a partir daí, exercer alguma forma de poder.

O duelo era “sexista e antidemocrático”. Segundo Appiah, a associação do sexismo e do autoritarismo fez com que a Modernidade isolasse esse valor de nossa sociedade ocidental, e numa geração, como já foi dito, fosse deixado de lado. Entendemos que o sexismo deriva do fato de o duelo ser uma prática exclusiva dos homens porque chamavam para si o valor e seu significado social como forma de imporem, também, superioridade entre os sexos. Só os homens eram suficientemente fortes e corajosos para perderem a vida em troca de respeito que só poderia existir entre eles. As mulheres sempre estiveram relegadas à segunda categoria entre os humanos desde a Antiguidade.

Antidemocrático porque era violento e, ao fim e ao cabo, o resultado não proclamava quem dos enfrentantes estava com a razão, posto que quem vencia era, na maioria das vezes, o mais hábil. E isso não resultava, prontamente, na revelação de que o vencedor teria razão na contenda, mesmo que, com o resultado, se sentisse honrado. E evidentemente não havia espaço para discussões sobre como resolver a questão a partir de outros meios. Pelo menos entre os que viam na defesa da honra pelo duelo a forma mais digna de adquirir respeito.

Dispor da própria vida em nome de um valor não é mais, na modernidade, uma atitude que se reconheça como moralmente aceita mesmo entre aqueles que estejam de acordo que o duelo seja o único meio de resgatar a honra. O Humanismo renascentista e o Iluminismo ajudaram a derrubar como valor a busca do respeito pela disponibilidade da vida. Com os novos valores pautados no Humanismo e no iluminismo “a honra saiu de moda na teoria moral”, como diz Appiah.

Na sequência a honra foi encarada entre os modernos como um valor que deveria ser visto a partir da dicotomia entre os adjetivos a ela imputados, na concepção de Appiah: “sexista e antidemocrática”, além do elemento mais visível que elevava o status dos homens à mais alta posição perante os outros, “a violência”.

Propomos que o exílio a que o valor honra foi submetido o afastou da moral moderna e o relegou ao campo daqueles que sendo conservadores pretendem manter o caráter violento. Isso ainda perdurou entre nós quando homens matavam as mulheres que os traiam em nome da honra. Mas o sexismo e o antidemocratismo levaram de vez a honra para o exílio da moral moderna, entre nós, a partir de meados do século XX quando não mais se aceitou como justificava os assassinatos de esposas infiéis. No entanto muito disso ainda permanece incrustado na mente de conservadores que acreditam cegamente que podem dispor não de sua vida como nos duelos, mas da vida do cônjuge para manter a sua honra.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) consagramos que a vida deve estar, em importância e respeito, acima dos valores. Esta é uma proposição ainda em debate em vista da influência do caráter kantiano (Immanuel Kant: 1724-1804) do imperativo moral, o dever interior de seguir o código moral e se submeter a ele, grosso modo. Porém a vida é mais valiosa e deve ser posta em primeiro lugar ao se analisar as circunstâncias em que o ato moral foi praticado.  

Há vários casos que demonstram certa “tolerância” com pequenos delitos em paralelo ao valor “não roubar”. Um homem foi preso em Brasília por tentar roubar carne para alimentar seu filho. Os policiais não seguiram cegamente a linha legalista - aquela que encara a ação independente daquilo que possa justificá-la: não se deve roubar sob nenhuma circunstância - o prenderam, levaram para a delegacia e resolveram verificar a história. E constataram a veracidade. Depois compraram mantimentos, pagaram a fiança e foram entregar os alimentos na casa dele. Se tivesse ocorrido no início da Modernidade, certamente, predominando a hierarquia dos valores em relação à vida, ele seria preso, condenado e passaria anos na cadeia. Como ainda hoje acontece. Esse tipo de crime, evidentemente, não foi abolido.

Mas o que afirmamos é que as pessoas estão mais suscetíveis em tolerar afrontas a determinados valores para colocar a vida em primeiro lugar. Alguns países europeus são intransigentes à recepção de estrangeiros como política interna. Todavia com a onda de violência na Síria em consequência da guerra civil uma quantidade imensa de pessoas está deixando o país em busca de sobrevivência. Como a vida deles está em risco, então, muitos países, apesar das limitações a imigrantes, estão recebendo esses estrangeiros. A vida é mais importante.

O Psicólogo americano Lawrence Kohlberg (1927-1987), era especialista em “Desenvolvimento Moral” e utilizava dilemas para avaliar o nível de moralidade de crianças e adultos. Dependendo da resposta a classificação era feita, mas não significa que esse método era a principal forma de classificação. No entanto, os dilemas são capazes de nos colocar diante de situações que requerem a utilização de nossa consciência moral para apontar a solução. Veja a seguir como a resposta tende a ser a que coloca a vida como valor prioritário. O marido do dilema agiu de tal forma que a orientação de sua ação foi a defesa da vida da esposa.

(Temos de elucidar que Kohlberg classificou os dilemas basicamente em dois tipos: dilemas hipotéticos são aqueles que possuem carga emocional pequena porque não estamos envolvidos na situação e, por isso, podemos resolvê-los predominantemente com o uso da razão. E os Dilemas relacionados à Vida Real são caracterizados pela proposição de ocorrências vivenciadas em nosso meio social e individual e que têm consequências sobre a vida diretamente, daí as respostas tenderem a possuírem respostas diversas.)

“Na Europa, uma mulher estava quase à morte, com um tipo específico de câncer. Havia um remédio que os médicos achavam que poderia salvá-la. Era uma forma de rádio que um farmacêutico da mesma cidade havia descoberto recentemente. O farmacêutico pagava 200 dólares pelo rádio e cobrava 2000 dólares por uma pequena dose do remédio. Heinz, o marido da mulher doente, procurou todo mundo que ele conhecia para pedir dinheiro emprestado, mas só conseguiu aproximadamente 1000 dólares, a metade do preço do remédio. Ele disse ao farmacêutico que sua mulher estava morrendo e pediu-lhe para vender o remédio mais barato ou deixá-lo pagar o restante depois. Mas o farmacêutico disse: “Não, eu descobri o remédio e vou ganhar muito dinheiro com ele”. Então Heinz ficou desesperado e assaltou a farmácia para roubar o remédio para sua mulher.”

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Appiah classifica o que chamamos hoje de Código de Ética Profissional como sendo “códigos de honra profissionais”. Ainda segundo ele, “Podemos pensar no código dos advogados, que faz com que eles sigam suas regras e se respeitem”. E há outras profissões que também possuem seus códigos. Podemos dizer que aquele que não cumpre o “código de honra profissional” pode ser punido pelos pares. Pois a finalidade não é só ter respeito entre os pares, mas, principalmente, pela sociedade.

Appiah diz que a luta pelo “direito ao respeito... não saiu de moda, faz parte de nosso vocabulário moderno”. E o que devemos fazer então? E ele responde: “Para usar a honra no mundo de hoje, tivemos que nos livrar de seu caráter antidemocrático e violento. Se houvesse alguma outra palavra que não tivesse essas associações – e não remetesse ao passado -, eu não veria problema em usarmos, mas não conheço essa palavra. Então, digo que devemos usar a palavra honra admitindo que ela já teve associações ruins e afirmando que é muito importante nos livrarmos delas”.

Então, como devemos avaliar a proposição de Appiah? Devemos deixar a palavra honra no desuso do passado ou usarmos o nosso vocabulário moderno – para o bem ou para o mal - que tem substituído o significado da palavra ‘honra’ por ‘dignidade’?  Muita gente, modernamente falando, tem se referido ao direito por respeito (que no passado chamava-se honra) como sendo uma conquista que garantimos com a vinda de uma vida digna. Dignidade, portanto, é a palavra que Appiah diz não conhecer, mas que muita gente, por recusar o uso da palavra honra, a tem utilizado.

Resta testar se a palavra dignidade possui o mesmo significado e se pode ser utilizada nos mesmos contextos semânticos que antes se utilizava a palavra honra. E se as pessoas estão dispostas a incorporar a nova significação desta palavra. Pois há pessoas que são contra a ressignificação e há aquelas que estão dispostas, por seus motivos, a aceitar.


P.S.: Assista à cena clicando AQUI.


APPIAH, Kwame Anthony. O Código de Honra: Como Ocorrem as Revoluções Morais. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  


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