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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

"BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO". QUEM ESTÁ PRONTO PARA MORRER?




Imagens disponíveis na Internet.

“Houve um tempo em que os homens / Em suas tribos eram iguais / Veio a fome e então a guerra / Pra alimentá-los como animais / Não houve tempo em que o homem / Por sobre a Terra viveu em paz / Desde sempre tudo é motivo / Pra jorrar sangue cada vez mais. / O homem é o lobo do homem!...” 
Os versos acima são da música “O Lobo” de autoria da compositora e cantora de Rock baiana, a bela Pitty. Ela faz uma crítica ao modo de vida atual em que os homens desenvolveram um estilo de vida pautado no egoísmo, individualismo e num grau elevado de ódio pelos outros homens e, a meu ver, a intenção é fazermos olhar na direção do homem ainda quando vivia no “estado de natureza”. 
“Estado de natureza” é um conceito que tenta explicar como nos tornamos no que somos. Como e por que saímos da condição de pré-civilização rumo à civilização. Essa hipótese bastante plausível nos mostra como éramos antes de vivermos em uma sociedade organizada com leis, instituições, normas morais e éticas, religiosas e como fizemos para construir as sociedades modernas. 
O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) apostou na hipótese que o homem viveu numa condição existencial bem precária, se compararmos ao que somos hoje. 
Para Hobbes, grosso modo, o homem era impulsionado essencialmente por paixões, impulsos, conatus (“o esforço para permanecer existindo”) em busca de garantir as suas necessidades baseado em sua força. Não se importando com isso se os mais fracos teriam de sucumbir para garantir-lhes a supressão de suas necessidades.  
Por não viverem condicionados por normas e leis, os homens não sentiriam nenhum desejo de conviver. Tendo a força como instrumento de autopreservação diante da concorrência pelos os mesmos objetivos com os outros homens, então não haveria motivo para a associação com os outros objetivando a vida social. Desse modo, respeitar os direitos dos outros como forma de garantir a sociabilidade era um instrumento inexistente no “estado de natureza”. 
Não respeitando o outro no seu direito de existir e competindo para suprir as necessidades que eram semelhantes, além de procurar garantir o seu poder no bando, o homem se tornou um inimigo do outro. Hobbes disse que a liberdade se concretiza quando o homem não encontra obstáculos na sua busca de realizar as suas necessidades. Retira do seu caminho, à força, aqueles que o impedem, o intimidam, o agridem, o roubam. 
Assim Hobbes resgatou e cunhou no seu contexto filosófico a expressão do poeta romano Plauto (254-184 a.C.) de sua peça Asinaria em que diz: "Lupus est homo homini non homo", que traduzida resulta em: “O homem é o lobo do homem”. Daí a conclusão decorrente que diz ser o homem um bicho selvagem e que detesta seu semelhante, estando, assim, numa eterna “guerra de todos contra todos”. 
Como, então, segundo Hobbes, nos tornamos sociáveis? Como constituímos tribos, cidades, metrópoles? 
Para superar a selvageria do “estado de natureza” onde os homens se encontram em pé de igualdade porque tudo pertence a todos e todos se acham no direito de usar a força para resguardar aquilo que necessita ou deseja, além, é claro, de suas vaidades, os homens tiveram de abrir mão de seu egoísmo primitivo e depositar nas mãos do estado, que Hobbes chama de “Leviatã”, o poder de estabelecer o controle de todas as demandas particulares. 
O poder controlado por uma instituição que não resguardará os interesses de um grupo em detrimento do outro, mas de todos em pé de igualdade é que a paz, a tranquilidade e a prosperidade poderão ocorrer entre os homens. 
A angústia e o medo do outro terão um fim posto que mesmo sendo forte fisicamente e vencendo o outro e o escravizando, já que o homem deseja mais humilhar o vencido do que matá-lo, segundo Hobbes, serão equacionados pela atribuição do uso exclusivo da força pelo estado. Pois o estado herdará o poder de todos. 
Meu objetivo principal aqui, visto que minha vaga intenção é apontar uma das mais clássica e recorrente interpretação de como saímos da vida selvagem e chagamos ao ponto de denúncia da ambição estúpida e néscia de querer nos levar de volta ao “estado de natureza” de Hobbes. 
Tudo o que Hobbes disse ficou como legado histórico para que possamos cuidar de nós mesmos e, assim, conhecendo o passado, possamos adotar cada vez mais direcionamentos rumo ao melhoramento de nossa espécie. 
Mas o que temos visto nos últimos dias mostra que a falta de uma educação racional e humanitária, no sentido de que somos seres civilizados e já deixamos para trás a época do período do pré-conceito de humanidade, ou seja, aquele momento que veio antes de existir o conceito de humanidade, o “estado de natureza”, e estamos buscando aquilo que nos legou Richard Rorty: Nos tornarmos versões melhores de nós mesmos. 
E o que temos visto? Um bando de primitivos hobbesianos acorrentando, amarrando, mutilando, espancando, matando aqueles que nos ameaçam. E ao fim da barbárie grita-se alto e com sangue na voz: “Bandido bom é bandido morto”. 
É um retorno momentâneo aos instintos primitivos? É uma demonstração de que a educação não chegou ao seu objetivo? Não foi educado adequadamente? Houve displicência na própria educação? É uma rejeição aos valores da sociedade pós-estado de natureza? 
Depositamos nossa confiança no estado para equacionar as demandas sociais da forma como foi apontada por Hobbes, mas o estado foi aprisionado por um só grupo que utiliza esse estado para atender apenas as suas necessidades, desejos e vaidades estritamente referentes ao seu grupelho. Desse jeito o estado abandonou os demais. 
Abandonados à própria sorte os homens subalternizados, ou seja, aqueles que não fazem parte do grupelho (a elite econômica secular) que sequestrou o estado para si, reclamam da violência. Como lá atrás depositamos nas mãos do estado o poder exclusivo do uso da força para equacionar as demandas sociais visando nos tornamos seres melhores, mais evoluídos, então não temos mais como voltar atrás. 
Se quisermos voltar à barbárie teremos de destruir a sociedade que temos. Pois na barbárie ninguém pode garantir o que é seu. Ou lutamos para que o estado volte a ser um instrumento de equalização justa das demandas ou o outro caminho vai ser o da convivência em ‘todas as dimensões’ (sociais, culturais, religiosas, econômicas, psicológicas) do mais forte contra os mais fracos. 
Se retornarmos não haverá convivência seletiva de jeito nenhum. Pois nessa volta os instintos primitivos serão aflorados. Egoísmo, força superior, competição desenfreada, vaidades, desejos secretos... tudo isso condicionará de novo a convivência humana. Não haverá apenas o desejo de pegar os que cometem crimes e mata-los, não. É burrice subjugar os instintos primitivos humanos. 
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Qual é o meu alvo então? 
São aqueles que pregam que o povo deve fazer justiça com as próprias mãos. Nesse meio tem gente de todo tipo. Há os desinformados, mal escolarizados, há os informados, os bem escolarizados que resolveram chamar a turba para a barbárie com argumentos falsos e bárbaros. 
Com a finalidade de garantir seu particular bem-estar apelam para a truculência verbal. Isso quando não descambam para a violência física. O falso argumento mais utilizado é o que diz “se fosse com você, você agiria do mesmo modo”. 
É um argumento falacioso porque nem todo mundo é mal escolarizado e bárbaro. É como se dissesse, “você não é uma pessoa melhor que eu, o bárbaro. Você é tão pré-conceito de humanidade quanto eu”. 
São pessoas que possuem uma educação moral e ética muito tosca. São do tipo que querem levar todos para seu lado para justificar a sua barbárie. São daquele tipo que não respeitam as decisões do estado, do “Leviatã” porque acreditam que sempre podem fazer melhor. E o melhor é o que ele acha que é e não aquilo que é melhor para todos. 
É o mesmo tipo que diz que tudo está errado, que os políticos são todos criminosos, que todas as pessoas são iguais. São os mesmos que condenam tudo, mas eles mesmos não param no sinal vermelho, furam as filas, param em locais proibidos, querem se dar bem prejudicando os outros, que eles chamam de bestas por cumprirem as normas. Ou seja, são uns espertalhões querendo ensinar a barbárie como única saída para as mazelas do ”Leviatã”. 
Afinal, são os cínicos e hipócritas querem fazer escola. 
E se as pessoas desesperadamente forem por esse caminho do ”banido bom é bandido morto”? 
A meu ver, sabe em que lugar iremos parar? Bem, a minha hipótese é que os bandidos sabendo que poderão sofrer retaliações tanto da polícia, como já é normal no estado de direito, como da população, como pretendem os bárbaros pré-conceito de humanidade, eles poderão partir de forma muito mais violenta par cima das vítimas do que antes. Pois temem ser mortos se forem capturados pela turba. 
Nessa minha hipótese o grau de violência vai subir ainda mais, ao ponto de os bandidos matarem logo, de antemão, as suas vítimas. E como no estado de direito os cidadãos não podem andar legalmente armados a desvantagem é infinita. É a mesma desvantagem do mais fraco contra o mais forte no “estado de natureza”. Só que aqui o bandido não deseja só escravizar o cidadão, deseja eliminá-lo mesmo, e logo. 
Voltamos a falar do medo. O medo que o bandido tem de morrer e o medo do cidadão em ser roubado nos levaria de volta à angústia e ao pavor de conviver. É nesse estado de torpeza que iremos parar se segurarmos nas mãos e seguirmos os sujeitos que querem fazer justiça com as próprias mãos.  
Acredito que a ira dos sujeitos da época do pré-conceito de humanidade por justiça e policiamento ostensivo não pode ser desviada para a barbárie, não. Tem de ser canalizada para a cobrança justa e competente dos serviços que depositamos nas mãos do “Leviatã”. 
Para finalizar quero deixar bem claro o que penso sobre aqueles que cometem crimes. Independente do tipo de crime ele deve ser punido. E a punição deve ser dura e longa. Quanto mais consciência o indivíduo tiver do crime mais longa deve ser a pena. E se for condenado deve cumprir toda a pena. 
Mas isso só depois de passar por todo o processo legal de investigação, comprovação, acusação, ampla defesa e decretação da pena se for culpado.
“Bandido bom é bandido morto” é uma frase estúpida. Aquele que comete crime é criminoso. No jargão popular, criminoso é bandido. Passar no sinal vermelho é um crime, mesmo que seja de trânsito. Não importa, é um crime. Não há relativismo com a lei. Isso só serve aos espertalhões. 
Quem oferece dinheiro para se beneficiar ilicitamente de alguma coisa comete crime. Então, criminoso no jargão popular é bandido, quais dos sujeitos que pregam que “bandido bom é bandido morto” está pronto para morrer? 
Ou melhor, quem de nós não cometeu algum tipo de crime? Quem de nós está disposto a se submeter à lei do homem do tempo do pré-conceito de humanidade? Do homem lobo?


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