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“Houve um tempo em que os homens / Em
suas tribos eram iguais / Veio a fome e então a guerra / Pra alimentá-los como
animais / Não houve tempo em que o homem / Por sobre a Terra viveu em paz /
Desde sempre tudo é motivo / Pra jorrar sangue cada vez mais. / O homem é o
lobo do homem!...”
Os versos acima são da música “O
Lobo” de autoria da compositora e cantora de Rock baiana, a bela Pitty. Ela faz
uma crítica ao modo de vida atual em que os homens desenvolveram um estilo de
vida pautado no egoísmo, individualismo e num grau elevado de ódio pelos outros
homens e, a meu ver, a intenção é fazermos olhar na direção do homem ainda
quando vivia no “estado de natureza”.
“Estado de natureza” é um conceito
que tenta explicar como nos tornamos no que somos. Como e por que saímos da
condição de pré-civilização rumo à civilização. Essa hipótese bastante
plausível nos mostra como éramos antes de vivermos em uma sociedade organizada
com leis, instituições, normas morais e éticas, religiosas e como fizemos para
construir as sociedades modernas.
O inglês Thomas Hobbes (1588-1679) apostou
na hipótese que o homem viveu numa condição existencial bem precária, se
compararmos ao que somos hoje.
Para Hobbes, grosso modo, o homem era
impulsionado essencialmente por paixões, impulsos, conatus (“o esforço para
permanecer existindo”) em busca de garantir as suas necessidades baseado em sua
força. Não se importando com isso se os mais fracos teriam de sucumbir para
garantir-lhes a supressão de suas necessidades.
Por não viverem condicionados por
normas e leis, os homens não sentiriam nenhum desejo de conviver. Tendo a força
como instrumento de autopreservação diante da concorrência pelos os mesmos
objetivos com os outros homens, então não haveria motivo para a associação com
os outros objetivando a vida social. Desse modo, respeitar os direitos dos
outros como forma de garantir a sociabilidade era um instrumento inexistente no
“estado de natureza”.
Não respeitando o outro no seu
direito de existir e competindo para suprir as necessidades que eram semelhantes,
além de procurar garantir o seu poder no bando, o homem se tornou um inimigo do
outro. Hobbes disse que a liberdade se concretiza quando o homem não encontra
obstáculos na sua busca de realizar as suas necessidades. Retira do seu
caminho, à força, aqueles que o impedem, o intimidam, o agridem, o roubam.
Assim Hobbes resgatou e cunhou no seu
contexto filosófico a expressão do poeta romano Plauto (254-184 a.C.) de sua
peça Asinaria em que diz: "Lupus est homo homini non homo", que
traduzida resulta em: “O homem é o lobo do homem”. Daí a conclusão decorrente
que diz ser o homem um bicho selvagem e que detesta seu semelhante, estando,
assim, numa eterna “guerra de todos contra todos”.
Como, então, segundo Hobbes, nos
tornamos sociáveis? Como constituímos tribos, cidades, metrópoles?
Para superar a selvageria do “estado
de natureza” onde os homens se encontram em pé de igualdade porque tudo
pertence a todos e todos se acham no direito de usar a força para resguardar
aquilo que necessita ou deseja, além, é claro, de suas vaidades, os homens
tiveram de abrir mão de seu egoísmo primitivo e depositar nas mãos do estado,
que Hobbes chama de “Leviatã”, o poder de estabelecer o controle de todas as
demandas particulares.
O poder controlado por uma
instituição que não resguardará os interesses de um grupo em detrimento do
outro, mas de todos em pé de igualdade é que a paz, a tranquilidade e a
prosperidade poderão ocorrer entre os homens.
A angústia e o medo do outro terão um
fim posto que mesmo sendo forte fisicamente e vencendo o outro e o
escravizando, já que o homem deseja mais humilhar o vencido do que matá-lo,
segundo Hobbes, serão equacionados pela atribuição do uso exclusivo da força pelo
estado. Pois o estado herdará o poder de todos.
Meu objetivo principal aqui, visto
que minha vaga intenção é apontar uma das mais clássica e recorrente
interpretação de como saímos da vida selvagem e chagamos ao ponto de denúncia
da ambição estúpida e néscia de querer nos levar de volta ao “estado de
natureza” de Hobbes.
Tudo o que Hobbes disse ficou como
legado histórico para que possamos cuidar de nós mesmos e, assim, conhecendo o
passado, possamos adotar cada vez mais direcionamentos rumo ao melhoramento de
nossa espécie.
Mas o que temos visto nos últimos
dias mostra que a falta de uma educação racional e humanitária, no sentido de
que somos seres civilizados e já deixamos para trás a época do período do
pré-conceito de humanidade, ou seja, aquele momento que veio antes de existir o
conceito de humanidade, o “estado de natureza”, e estamos buscando aquilo que
nos legou Richard Rorty: Nos tornarmos versões melhores de nós mesmos.
E o que temos visto? Um bando de
primitivos hobbesianos acorrentando, amarrando, mutilando, espancando, matando
aqueles que nos ameaçam. E ao fim da barbárie grita-se alto e com sangue na
voz: “Bandido bom é bandido morto”.
É um retorno momentâneo aos instintos
primitivos? É uma demonstração de que a educação não chegou ao seu objetivo?
Não foi educado adequadamente? Houve displicência na própria educação? É uma
rejeição aos valores da sociedade pós-estado de natureza?
Depositamos nossa confiança no estado
para equacionar as demandas sociais da forma como foi apontada por Hobbes, mas
o estado foi aprisionado por um só grupo que utiliza esse estado para atender
apenas as suas necessidades, desejos e vaidades estritamente referentes ao seu
grupelho. Desse jeito o estado abandonou os demais.
Abandonados à própria sorte os homens
subalternizados, ou seja, aqueles que não fazem parte do grupelho (a elite
econômica secular) que sequestrou o estado para si, reclamam da violência. Como
lá atrás depositamos nas mãos do estado o poder exclusivo do uso da força para
equacionar as demandas sociais visando nos tornamos seres melhores, mais
evoluídos, então não temos mais como voltar atrás.
Se quisermos voltar à barbárie
teremos de destruir a sociedade que temos. Pois na barbárie ninguém pode garantir
o que é seu. Ou lutamos para que o estado volte a ser um instrumento de equalização
justa das demandas ou o outro caminho vai ser o da convivência em ‘todas as
dimensões’ (sociais, culturais, religiosas, econômicas, psicológicas) do mais
forte contra os mais fracos.
Se retornarmos não haverá convivência
seletiva de jeito nenhum. Pois nessa volta os instintos primitivos serão
aflorados. Egoísmo, força superior, competição desenfreada, vaidades, desejos
secretos... tudo isso condicionará de novo a convivência humana. Não haverá
apenas o desejo de pegar os que cometem crimes e mata-los, não. É burrice
subjugar os instintos primitivos humanos.
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Qual é o meu alvo então?
São aqueles que pregam que o povo
deve fazer justiça com as próprias mãos. Nesse meio tem gente de todo tipo. Há
os desinformados, mal escolarizados, há os informados, os bem escolarizados que
resolveram chamar a turba para a barbárie com argumentos falsos e bárbaros.
Com a finalidade de garantir seu
particular bem-estar apelam para a truculência verbal. Isso quando não
descambam para a violência física. O falso argumento mais utilizado é o que diz
“se fosse com você, você agiria do mesmo modo”.
É um argumento falacioso porque nem
todo mundo é mal escolarizado e bárbaro. É como se dissesse, “você não é uma
pessoa melhor que eu, o bárbaro. Você é tão pré-conceito de humanidade quanto
eu”.
São pessoas que possuem uma educação
moral e ética muito tosca. São do tipo que querem levar todos para seu lado
para justificar a sua barbárie. São daquele tipo que não respeitam as decisões
do estado, do “Leviatã” porque acreditam que sempre podem fazer melhor. E o
melhor é o que ele acha que é e não aquilo que é melhor para todos.
É o mesmo tipo que diz que tudo está
errado, que os políticos são todos criminosos, que todas as pessoas são iguais.
São os mesmos que condenam tudo, mas eles mesmos não param no sinal vermelho,
furam as filas, param em locais proibidos, querem se dar bem prejudicando os
outros, que eles chamam de bestas por cumprirem as normas. Ou seja, são uns
espertalhões querendo ensinar a barbárie como única saída para as mazelas do
”Leviatã”.
Afinal, são os cínicos e hipócritas
querem fazer escola.
E se as pessoas desesperadamente
forem por esse caminho do ”banido bom é bandido morto”?
A meu ver, sabe em que lugar iremos
parar? Bem, a minha hipótese é que os bandidos sabendo que poderão sofrer
retaliações tanto da polícia, como já é normal no estado de direito, como da
população, como pretendem os bárbaros pré-conceito de humanidade, eles poderão
partir de forma muito mais violenta par cima das vítimas do que antes. Pois
temem ser mortos se forem capturados pela turba.
Nessa minha hipótese o grau de
violência vai subir ainda mais, ao ponto de os bandidos matarem logo, de
antemão, as suas vítimas. E como no estado de direito os cidadãos não podem
andar legalmente armados a desvantagem é infinita. É a mesma desvantagem do
mais fraco contra o mais forte no “estado de natureza”. Só que aqui o bandido
não deseja só escravizar o cidadão, deseja eliminá-lo mesmo, e logo.
Voltamos a falar do medo. O medo que
o bandido tem de morrer e o medo do cidadão em ser roubado nos levaria de volta
à angústia e ao pavor de conviver. É nesse estado de torpeza que iremos parar
se segurarmos nas mãos e seguirmos os sujeitos que querem fazer justiça com as
próprias mãos.
Acredito que a ira dos sujeitos da
época do pré-conceito de humanidade por justiça e policiamento ostensivo não
pode ser desviada para a barbárie, não. Tem de ser canalizada para a cobrança
justa e competente dos serviços que depositamos nas mãos do “Leviatã”.
Para finalizar quero deixar bem claro
o que penso sobre aqueles que cometem crimes. Independente do tipo de crime ele
deve ser punido. E a punição deve ser dura e longa. Quanto mais consciência o
indivíduo tiver do crime mais longa deve ser a pena. E se for condenado deve
cumprir toda a pena.
Mas isso só depois de passar por todo
o processo legal de investigação, comprovação, acusação, ampla defesa e
decretação da pena se for culpado.
“Bandido bom é bandido morto” é uma
frase estúpida. Aquele que comete crime é criminoso. No jargão popular, criminoso
é bandido. Passar no sinal vermelho é um crime, mesmo que seja de trânsito. Não
importa, é um crime. Não há relativismo com a lei. Isso só serve aos
espertalhões.
Quem oferece dinheiro para se
beneficiar ilicitamente de alguma coisa comete crime. Então, criminoso no jargão
popular é bandido, quais dos sujeitos que pregam que “bandido bom é bandido
morto” está pronto para morrer?
Ou melhor, quem de nós não cometeu algum
tipo de crime? Quem de nós está disposto a se submeter à lei do homem do tempo
do pré-conceito de humanidade? Do homem lobo?
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