Kassio Costa (foto do Facebook) escreveu essa crônica exclusivamente para este blogue enquanto estuda para fazer seu curso superior. Ele foi aluno do curso médio / integrado do IFPI - Floriano.
"OS
FESTEJOS DE SAMUEL FILHO
Se aprepare minha gente
Pra essa história que eu vou contar
Aconteceu em uma cidade
Cujo nome vou disfarçar
Vou chamar de Samuel Filho
Pra ninguém desconfiar
O povo desta cidade
Gosta de uma confusão
Aprontaram nos festejos
De Nossa Senhora de Assunção
Esta santa coitada
Que não se meche, nem nada
Sofreu uma humilhação
Nessa
tão querida cidade, como já era de praxe, todos os anos, na mesma data, se
comemorava os dias destinados à santa padroeira da cidade: Nossa Senhora de Assunção.
A programação era sempre a mesma e se destrinchava durante as festas de uma
maneira nada enjoativa para os habitantes dali. Tudo se desenrolava a noite,
depois do fim das labutas diárias das pessoas que compunham aquele
povoado. Na igreja ocorriam as devotas
orações, logo depois as pessoas se deleitavam nas suas preciosas festas
dançantes. Esse ano, no entanto, o corriqueirismo de Samuel Filho foi quebrado
em pedaços atômicos.
A
quebra da normalidade nos festejos de Nossa Senhora de Assunção se deveu a dois
fatores que, para o povo dali, não eram nem um pouco banais: a deterioração da
igreja e a chegada do padre novo.
O
novo pároco de Samuel Filho era visto pelo povo de lá como uma pessoa arrogante
e abusada. O religioso queria fazer tudo à sua maneira, reprimindo os gostos da
gente dali. Ao chegar no povoado cismou que a igreja – que ficava um pouco
afastada da cidadezinha e em cima de um morro de difícil acesso – não tinha
condições físicas para receber os festejos daquele ano. O padre novo resolveu,
então, organizar as missas em uma escolinha da comunidade. E a população
reclamou...
Esse padre tá
ficando doido
O nosso festejo ele
quer mudar
Se é pra reformar a
igreja
Vamos! Cuidemos de
reformar
A nossa gente está
sentida
A nossa santa
querida
Irá mudar de lugar
Como pode uma coisa
dessas
Nos festejos de
Assunção?
Mas que padre sem
vergonha!
Mas que padre sem
noção!
Mudou o costume do
povo,
Ele ainda é novo
Mas já quer ter a
razão
Como um ditador o padre
novo foi colocando ordem na cidade. A contragosto das pessoas e a gosto do
diretor da escolinha, que o admirava, mudou o altar da igreja para o pátio da
escola. Com a ajuda de duas ou três pessoas deixou a escola pronta para os
festejos que começariam no dia seguinte. As crianças que estudavam naquele
local tiveram que conviver com aquele altar em meio ao espaço de recreação.
No
dia seguinte, ao chegar na escola para rever os preparativos das missas, o
padre novo se assustou. Estava tudo no seu devido lugar, exceto a imagem da
santa. A estatueta que representava Nossa Senhora de Assunção desapareceu.
A
notícia se espalhou logo pela cidade inteira. A pergunta era a mesma para todos
os seguimentos daquela sociedade: onde está a imagem de Nossa Senhora de
Assunção? Buscas foram feitas por toda a cidade. Ninguém tinha encontrado a
santa. À tarde, um morador, que chegou ao padre novo e falou ofegantemente,
disse que tinha encontrado a santa. Ela estava na igreja. No mesmo local onde
sempre esteve. A cidade se apavorou e considerou tal fato um milagre. Para
eles, Nossa Senhora de Assunção queria que as missas do festejos ocorressem na
igreja.
Valei-me Nossa Senhora
Jesus Cristo Fií de Maria
Essa santa some de noite
E aparece de dia?
Um milagre isso é?
Valei-me São Tomé
Ou será que é magia?
Certamente é um milagre
Na igreja ela apareceu
Essa santa não é doida
Ela quer a igreja como eu
Festejo tem que ser lá em cima
Como já é nossa sina
Como a cidade mereceu
Samuel Filho ficou muito agitada. Já era
mesmo de costume o fato de as notícias correrem bem rápido lá. E pelo visto,
quanto mais cabeluda fosse a notícia mais rápido ela corria. Em menos de duas
horas toda a cidade já sabia e comentava o ocorrido. Estavam todos reunidos na
igreja. Era um “zum zum zum” ensurdecedor.
Os
habitantes da cidade perguntavam veementemente ao padre novo: isso foi milagre?
As missas ainda vão ocorrer na escola? As missas não têm que vir pra igreja? O
padre, agoniado que estava, passou a responder com arrogância.
Como
que de repente surgiu o Zé Pé Inchado – Zé Pé Inchado era conhecido pela cidade
como o maior bêbado de lá. Quando não estava trabalhando ou dormindo estava em
um bar. Zé trabalhava na capina. A cidade dizia que ele é movido à álcool. Só
trabalhava bêbado. Boa parte do dinheiro que ganhava capinando gastava com
cachaça – Zé Pé Inchado se adentrou na roda de pessoas que se aglomeravam na
frente da igreja. Apontou o dedo pra um senhor e falou bem alto: Foi ele! Foi
ele! Eu vi! Eu tava bebendo de madrugada e vi ele pegar a santa e trazer pra
cá. A cidade ficou, então, dividida. Uns acreditavam em Zé, outros não...
Eu sabia, eu sabia
Me diga como pode?
Essa santa não tem
pernas
Essas pernas tem
bigode
Que história sem rimar
Eu prefiro
acreditar
Numa vaca mamando num
bode
No milagre dessa
santa
Eu sei que acredito
Eu não quero
acreditar
É nesse bêbado
maldito
Essa peste num viu
nada
Bebeu na madrugada
Veja que milagre
bonito!
E você, caro leitor?
Em que quer acreditar?
Em uma santa que fez milagre,
Ou em um bêbado a contrariar?
E pra terminar esses versos
Vou falar emersos
Que é para isso rimar."
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