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quinta-feira, 23 de julho de 2015

DESENHO DA ALMA NEOFASCISTA: NA LINGUAGEM DELE.


Imagem da Internet.


“Não saias de ti, mas volta para dentro de ti mesmo, a verdade habita no coração do homem”, disse Agostinho de Hipona (354-430 d.C.). Para esse Filósofo há verdades eternas e sua fonte não pode ser outra senão Deus. E há verdades originárias das sensações que são variáveis, mutáveis, inconstantes. As verdades vindas das sensações não são confiáveis. Viver corretamente, então, é seguir em busca das verdades imutáveis, eternas isso é o que leva o homem a viver e praticar o bem, segundo ele. 

“Para Santo Agostinho, a finalidade do homem, enquanto ser racional, era a busca da Verdade, que em suas reflexões foi definida com sendo o Verbo de Deus, portanto, fonte de felicidade, cujo alcance era meta de perfeição para os homens”, acrescentam Marcos Roberto Pirateli e José Joaquim Pereira Melo sobre o pensamento de Agostinho de Hipona.

A Verdade, portanto, vem de dentro de cada um já que Deus habita o interior ou aquilo que hoje se chama de subjetividade. Seguindo no caminho indicado pelos pensadores citados, esse ímpeto pela busca da verdade não decorre propriamente de uma vontade de fugir de um mal ou para mostrar que é um homem de boa índole, mas porque vem de Deus que está dentro de cada um. Deus, então, deseja que o humano seja verdadeiro seguindo esse caminho indicado por Ele.  

Aquele que acredita em Deus e segue o caminho agindo de tal forma que é inerente a si mesmo decide sempre por aquilo que o tornará um indivíduo cada vez melhor. Ou seja, buscará sempre a Verdade. É algo próprio do homem que segue os ensinamentos de Deus e deseja o bem ao outro e a si mesmo.

Quem deseja a morte de outro seja porque anseia acabar com o mal, pois a fonte desse mal estaria no outro, seja porque segue o ímpeto que está dentro de si, então, segundo a tradição religiosa, não possui Deus dentro de si como origem de suas ações. É uma dedução lógica inferida das premissas postas por Agostinho de Hipona.

Aquele que deseja a morte do outro não pode argumentar a seu favor que é uma atitude correta ou verdadeira posto que vem de sua alma, de seu interior, de sua subjetividade e, por isso, seria algo puro. Segundo Agostinho de Hipona, a verdade que habita dentro daquele que acredita em Deus é uma verdade originária Dele. E um dos ensinamentos, ou verdades eternas de Deus, é “não matarás”. Sendo assim, o desejo de matar o outro por simplesmente agir de forma inadequada ou diferente daquela do indivíduo que deseja matar, não pode ter vindo de Deus.

Ora, aquele que crer em Deus e procura agir deixando de lado “a Verdade de seu interior” buscando uma alternativa, poderá argumentar que está apenas fazendo uso daquilo que Agostinho de Hipona também defendeu: o Livre Arbítrio. Mas Agostinho diz: “Pela livre vontade, o ser humano peca. A graça é necessária ao livre-arbítrio da vontade humana para enfrentar eficazmente a luta contra o mal”. Então, segundo ele, para decidir pelo bem o indivíduo tem de aceitar a ideia da iluminação da graça divina. Decidir baseado apenas naquilo que o indivíduo entende que seja ‘o verdadeiro’, ‘o certo’ não tem suporte em sua própria crença. Seria uma hipocrisia.

Desejar matar é algo que vem de dentro do indivíduo. Esse desejo, que em muitos já se manifesta como vontade, não surge do nada como se pudesse ser antecedido pelo vazio. Nenhum ser possui o vazio dentro de si, então ele aparece de algo a parti de si mesmo, de algo que vindo de dentro, só pode fazer parte do indivíduo ou começou a fazer parte dele a partir de determinada causa. E esta causa, enfim, pode ser o fato de outro pensar, falar, gostar, andar, ser de modo diferente ou ter valores opostos ao indivíduo que anseia matar.

Desejo é uma “potência da alma cujo enigma cabe à razão decifrar inteiramente”, afirma Marilena Chaui sobre a interpretação dos pensadores modernos em torno do desejo. Pode-se seguir adiante e separar - em Filosofia - o que é desejo e o que é vontade. Vontade seria, por conseguinte, a racionalização dos desejos. Os desejos estariam no nível do apetite, instinto, emoções.

O neofascista deseja matar e vocifera nas rodas de “amigos” (cúmplices) e nas redes sociais da Internet. Mas até aí isso representa a externação de um impulso cujo objetivo é o extermínio daquele que o neofascista julga errado, criminoso ou diferente. Mesmo que desejar não seja o mesmo que matar, pois está apenas no âmbito do desejo, está fazendo incitação ao crime. O que é um crime.

A seguir acrescento uma informação didática sobre como diferenciar uma ação planejada de uma ação efetiva. São dois tipos de ações propostas pelo autor: uma ação de nível simbólico, planejado e a outra no nível físico, prático.

“Expressar desejos e esperanças ou anunciar uma ação planejada podem ser formas de ação, na medida em que tenham o propósito de atingir um determinado objetivo. Mas não devem ser confundidas com as ações a que se referem; não são idênticas as ações que anunciam, recomendam ou rejeitam. Ação é algo real. O que conta é o comportamento total do homem e não sua conversa sobre ações planejadas, mas não realizadas”, assim explica o economista Ludwig von Mises (1881-1973). Por outro lado utilizar o discurso como forma de incitamento ao crime é crime, está no Código de Processo Penal, Art. 286.

Até aqui temos duas interpretações sobre como agem os humanos e mais precisamente o neofascista. A primeira vinda de Agostinho de Hipona que coloca Deus no interior do homem e como causa de suas ações verdadeiras e corretas, e a segunda vinda de pensadores modernos que diferem desejo de vontade. Uma explicação pautada na fé e a outra na razão.

Mas vamos além. Vou ousar pelo viés da Psicologia.  

Os humanos existem a partir de uma teia de relações. Existem, portanto, uma infinidade delas. Nos deteremos em duas que são as relações  estruturais (imanentes, biológicas) e as funcionais (aderentes, contextuais, culturais), no modo de dizer da psicóloga Vera Felicidade de Almeida Campos (1942).

Sentir necessidade de comida é o que leva o indivíduo a procurar alimento. É, portanto, orgânico, faz parte das estruturas biológicas. É pré-requisito para a existência da vida humana também. Agora, selecionar que tipo de alimento é o mais adequado nutricional, econômica e culturalmente é funcional, aderente.

De modo análogo, o desejo de viver é uma necessidade imanente visto que o indivíduo responsável tem que se preservar para poder proteger a família e manter a existência dela e, assim, perpetuar-se através de descendentes (aspecto genético). Se o indivíduo se vê sob ameaça de ser morto por outro, nada mais elementar que diante de tal situação extrema ele mate o agressor.

Por outro lado, é uma relação apenas funcional quando ele coloca esse ímpeto como algo que pode ser realizado por uma causa meramente ideológica. Está no âmbito da decisão do indivíduo, portanto é racional, colocar essa possibilidade como factível. Agindo desse jeito ele poderá matar ou não alguém com quem não concorda ou que, segundo ele, tenha cometido um crime. No entanto, ele pode escolher rebater aquilo com o que não concorda de várias outras formas que não seja pela via da violência física.

Ninguém, eticamente, condenará o indivíduo que matou para defender-se. Pelo contrário, haverá manifestações de amparo até mesmo daqueles que tenham fundamentos humanistas. Poderão lamentar a situação que tenha levado um ser humano à morte. Mas essa situação limítrofe é compreensível, sim. No entanto, matar por questões de divergência de ideias, comportamentos, preferências, escolhas, valores é um ato desprezível, grotesco, do tipo do indivíduo semi-humano, quase humano.  

Quando não há justiça para satisfazer minimamente a expectativa de todos cria-se as condições para que a busca por ela seja feita para além daquilo que organizamos e normatizamos como a justiça ideal. Ou seja, como o modo próprio de ser da justiça. Então o indivíduo sem uma formação moral firme faz da busca por justiça algo que o leva a agir criminosamente. Buscar por justiça, ter sede de justiça e, então, fazer justiça a qualquer preço passa a ser aquilo o que move o indivíduo.

A falta de justiça é a causa do desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Sem racionalizar esse desejo, tornando-o uma vontade, o indivíduo age cegamente. Se existisse justiça aos moldes do que está na lei, ou seja, da maneira que se diz que deveria ser, o indivíduo não pautaria a sua ação no desejo cego por justiça pelas próprias mãos. Quando ele está satisfeito com a justiça e ela funciona adequada e corretamente não faz sentido essa busca cega. Aliás, ela deixaria de existir.

Chegamos ao estágio atual de civilidade a partir do momento que fizemos um “contrato social”. Tudo foi sendo construído aos poucos. Segundo filósofos da antiguidade e da modernidade, estes chamados de contratualistas, quando vivíamos no estágio que ficou conhecido como “estado de natureza” o homem enfrentava as suas dificuldades e problemas utilizando-se, normalmente, de seu aparato físico para impor os seus desejos.

Era o reino da pura imanência, dos desejos, da realização individual independente dos desejos dos outros e através da força bruta. Quanto maior a força, maior a predominância dos desejos. Quanto mais fraco o indivíduo menos desejos e necessidades podiam ser realizados.

É claro que o “estado de natureza” é uma hipótese levantada para se entender como passamos a viver do modo como vivíamos ao modo como vivemos, quer dizer, pautados em leis. Os filósofos postularam que vivíamos desagregados e desorganizados e que a partir de um determinado momento buscamos a vida gregária. Portanto, as ideias de civilidade, justiça, lei, bem e mal não existiam no estado de natureza. Segundo, Thomas Hobbes (1588-1679), predominava, nesse estágio, a “guerra de todos contra todos”.

Nessa linha de raciocínio, quando percebemos a necessidade de viver de forma gregária, unida, para nos proteger das ameaças vindas de outros grupos ou animais; para nos proteger das intempéries nos aquecendo ou para afugentar os perigos com o fogo; para encontrar comida com mais facilidade e em quantidade; para, enfim, saciarmos nossos desejos imanentes; resolvemos, então, nos agrupar. A partir daí percebemos que vivendo juntos necessitávamos criar normas de convivência. Assim criamos mecanismos para dividirmos as tarefas entre os membros do grupo. Depois vimos que tínhamos que ter alguém para comandar o processo e por aí vai até chegarmos onde estamos.

Quando fizemos tudo isso, grosso modo, é claro, criamos o “contrato social”. Abrimos mão de alguns dos nossos desejos e vontades para que outros, fazendo a mesma coisa, pudessem também ter suas oportunidades. Desse modo, não podemos deixar de perceber que melhorando as condições de existência melhoramos a nós mesmos, uma consequência óbvia. Saímos das cavernas e vivemos hoje em cidades com condições muito melhores ao que tinham na Idade Média, por exemplo.

Somos seres melhores porque fomos capazes de criar mecanismos de organização social, econômica e cultural cada vez mais adequados. A lei é um desses mecanismos. Se não respeitarmos a lei estaremos deixando de lado o ser que somos e buscando o retorno à época da subespécie que fomos quando ainda não tínhamos criado a lei para guiar as nossas ações.

Um exemplo bem didático que posso citar para caracterizar, grosso modo, o “contrato social” em contraposição ao “estado de natureza” são as filas. Se hoje todos quisessem realizar os seus desejos e as suas vontades utilizando a ferramenta do mais forte e fossem ao balcão ao mesmo tempo, então haveria uma balbúrdia. Os mais fortes seriam beneficiados, pois usariam da força, a sua ferramenta imanente, para chegar lá primeiro.

No entanto vimos que necessitávamos cuidar melhor daqueles que possuem menos força e criamos nova regra: a ética da fila. Quem chega primeiro deve ser atendido primeiro sem necessidade do uso da força física.

Com o passar do tempo criamos outra lei para possibilitar aos grupos com menor vigor o direito de serem beneficiados. Então ficou consignado que “as pessoas portadoras de deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo terão atendimento prioritário, nos termos dessa lei”.

Nessa situação, o indivíduo que está à minha frente, na fila, terá a oportunidade de ter seus desejos e vontades respeitados por mim já que concordei que ele fosse atendido primeiro. O que vem depois de mim teve de abrir mão de sua vontade de ser logo atendido para que eu pudesse ter meus desejos e vontades realizados.

Todos tivemos de abrir mão de parte dos desejos e vontades para que todos possam ter, em parte, as suas necessidades realizadas. Fizemos esse contrato social para poder estabelecer a melhor maneira de conviver. Mas nem sempre temos as leis e regras respeitadas e, nesse caso, reclamamos. No entanto, essa reclamação deve se dar dentro do contrato social e não tentar fazer o que quer o neofascista que é quebrar essa rotina estabelecida por todos nós para ele colocar no lugar a rotina que ele imagina ser a ideal.

Por fim, revela-se um apavorante mau-caráter o indivíduo que diz em público que anseia ou apoia a matança de pessoas, mesmo que criminosas. Quero distância de tipos assim por possuírem dentro de si como instinto inerente, o desejo e a vontade de matar.

Quem garante que essa vontade seja controlada e orientada apenas na direção dos criminosos? Se a vontade de matar faz parte do modo de pensar e de ser dele, então não acredite e nem tenha garantia dada por ele mesmo, que nunca pensará em lhe matar, posto que a ânsia é cega e poderá ir na sua direção até por um motivo fútil: falta de 2 reais na hora de pagar uma conta de bar, olhar para a mulher do outro, por estar usando um brinco, por não querer continuar bebendo com ele...

O afã é latente, está lá pulsando e apenas por algum tempo está submisso, mas pode subitamente manifestar-se, dependendo do autocontrole do indivíduo, e ir em sua direção. Portanto não seja amigo ou tenha relações com quem declaradamente almeja matar seja lá quem for como justificativa justiceira. Você poderá ser uma vitima desse tipo que é o neofascista.

O desejo de matar, para o neofascista, não resulta unicamente da aspiração por justiça, mas da pretensão de impor ao outro aquilo que ele gostaria, é por esse viés que ele é autoritário, pois nem as coisas e nem as pessoas reais são como ele deseja. Como não tem bons argumentos para convencer, então quer se impor pela força, pela violência.

Ele não crer na justiça e reclama de suas falhas colocando nelas a culpa de sua ânsia de matar. Desse jeito ele tenta confundir as pessoas. Se ele gostasse e acreditasse realmente na justiça entraria numa luta junto aos outros para que a ela fosse justa e ampla, não sairia por aí degradando a instituição e agindo como justiceiro.

Concluindo, deixo uma advertência: exclua o neofascista de suas relações e o denuncie para que outros possam também isolá-lo. O neofascista tem a pulsão de matar viva dentro dele, as pulsões, nesse sentido, formam a identidade do indivíduo. Se ele declara publicamente seu desejo de matar é porque é um criminoso em potencial talvez pior do que os bandidos que ele deseja eliminar.

P. S. 1: Se algum deles disser que eu não tenho autoridade para falar de seu comportamento me utilizando de pressupostos religiosos porque sou agnóstico isso só revelará mais uma faceta dele, a burrice. Para mostrar publicamente o quanto é um cara legal ele se utiliza da religião. Ora, eu me utilizei desse pressuposto justamente para desnudá-lo. Em suas investidas sociais, tais como ir à igreja, tenta convencer que é de boa índole. A minha intenção é desmascarar esse tipo acanalhado que verdadeiramente não é um seguidor da “religião do amor”, mas apenas um farsante burro.

P. S. 2: Segundo pesquisa de julho de 2015 da CNT em parceria com o MDA mostra o grau de confiança do brasileiro na instituição Justiça: 10,5% confiam sempre e 24,8% não confiam nunca.

P. S. 3: Para ver pesquisa completa acesse clicando AQUI.

P. S.4: Não creio que existam neofascistas inteligentes, pois esse dois termos são mutuamente excludentes. Nenhum neofascista é inteligente e nenhum ser inteligente é neofascista. Por isso escrevi coloquialmente, já que só assim ele irá entender. A linguagem ordinária é cheia de imagens porque, essencialmente, o neofascista não é capaz de abstrações. Por essa razão é que “desenhei” a sua alma.  



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