No universo mitológico grego o fundamento para a existência da realidade ancorava-se na imaginação, no místico e misterioso mundo transcendente de onde vinham a ordem e as determinações para tudo existir do modo como os gregos concebiam a existência da realidade. Nesse contexto o mundo transcendente era a medida da existência de tudo. Ou seja, tudo dependia, para existir, daquilo que determinava o mundo dos mistérios religiosos. A realidade era o que era porque assim deveria ser por determinação divina, sem necessidade de demonstrações ou provas.
Com o surgimento da Filosofia, cujo embasamento explicativo da realidade passa ser a razão, os gregos buscaram o que poderia ser admitido como o fundamento para a existência da realidade agora como algo que podia ser demonstrado racionalmente. Esse fundamento ele chamaram de physis. Este é o princípio explicativo da origem da natureza, do cosmo. É a matriz de onde tudo brota. Sendo, por isso, idealistas admitiam que as ideias criam a realidade. E quem cria as ideias cria a realidade. Entenderam?
Desse modo a medida das coisas era a physis de onde vem a ordem (ordenação) que a razão pode captar, entender, seguir. Por isso ela se impõe à razão.
Mas, por essa época (século V antes de Cristo), surge um grupo de filósofos que ficou conhecido por Sofistas. Eles propuseram uma mudança fenomenal, e escandalosa para a época, no fundamento que baseia a ordenação da realidade. Não seria mais a physis, mas a razão que irá, agora, explicar e ordenar a realidade. A razão é a “medida e norma de tudo”. Agora pela razão medimos o mundo. O mundo é aquilo que a razão dirá o que ele é.
Historicamente, depois, veio majoritariamente no ocidente a religião judaico-cristã que se auto-intitulou a explicação e Deus o fundamento da realidade. Em seguida predominou, e ainda predomina, a Ciência como explicação e a razão moderna como fundamento.
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Bom, o que falei acima é para mostrar que podemos entender e explicar a realidade, as relações, os comportamentos, os valores, a moral a partir de determinados fundamentos, bases, teorias, interpretações e até suposições. Uns são decentes e usam a decência como fundamento para explicar o mundo a sua volta. Outros são canalhas e usam a canalhice como modelo para a padronização do comportamento, a moral e caráter dos outros.
O canalha, por ser canalha, se olha no espelho todo dia e admira profundamente a sua canalhice. Se orgulha até. Seus olhos, então, encharcados, bêbados, cheios daquela imagem-modelo medem o mundo a partir da canalhice. E, daí, o que se vê todo mundo sabe. Todos - crianças, adultos e velhos - são canalhas. Todo mundo pratica canalhices.
A canalhice é a origem, a ordenação, a determinação da realidade. É como se o canalha, procurando entender as relações sociais, morais e comportamentais, buscasse um princípio ordenador e encontrasse a canalhice como a matriz das práticas sociais.
Mas se alguém o contraria ele se enfurece e põe para fora todo um arsenal semântico destruidor da reputação alheia. E faz isso, primeiro, porque é intransigente e não aceita que seu princípio não possa ser universalizado. Segundo, porque não aceita que existam bons caracteres. Todos têm de ser como ele, canalha.